Insônia por antecipação

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Algo me atrai
Em tudo que machuca
Meu coração trai
Logo menos ele caduca
Não basta socar ponta de faca sempre
É correr envolver com essa gente
Óbvio o futuro
Claro como água
Mas ele é tão obscuro
Queria mais uma trégua
Eu e o peito, trabalhando junto
Pra não ter outro leito sendo menos tonto
Unir os dois e impedir de rolar
Porque depois, quem vai querer se matar?
Essas promessas seriam boas
Se eu soubesse as manter
Mas vamos manter mentiras soltas pra se contradizer
Não tô fugindo de destino
Nem de um ponto final
Só que já imagino a gente se dando mal
Você me puxa para perto
Vamos juntos se quebrar
O coração não é experto
Já começou a se apegar
Mas não durmo com medo
Da lição que faltou, não aprendo
Só nos resta ou curtir
Ou antecipar.

-R.C.

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Pra, por

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Pra quê?
Já havia acabado
Por que?
Pra me deixar nesse estado?
Pra quê?
Eu já morri tantas vezes
Por quê?
Dentro de mim tantos seres
E todos falando de um futuro obscuro
No coração e no pulso um muro
Pra quê?
Teu sangue já caiu
Por quê?
Meu sangue imita
Psiu!
MInha cabeça agita
Pra quê?
Já não tenho razão
Por quê?
Também não toca na minha mão!
Não levanta minha manga,
Não tira minha camisa!
Sem tocar as feridas
Azul de quem pisa
As feridas são suas!
As dores são suas!
A dúvida foi sua,
Mas colocou em mim.
Os cortes eram seus
Mas os fiz em mim
Com força de Zeus
Tirei tudo enfim
Pra quê?
Por quê?
Só você!
Não tem de quê!
A dúvida mata
Você me mata
Me embebeda
Me ceda
O mundo não me aceita
Digo não
Não pra tudo
Não pra mim.

-R.C.

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Adeus

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Me pergunto como faria
Se me pedissem um último poema
Será que falaria
Sobre ti ou outro problema
Talvez algo diferente
Para o assunto ser convergente
Me pergunto com quem
Falaria se me concedessem uma última conversa
Não sei se existe alguém
Tão específico para desenvolvê-la sem pressa
Você não seria nunca, sei que
Não saberia o que falar a ti
Onde estaria
Se tivesse um lugar pra morrer?
Terra tão idêntica, só muda cultura
Não acho que diferença faria
Já que fecharei os olhos a esquecer
Indo pro próximo mundo pela sepultura.
Me pergunto se amaria
Caso me dessem essa opção
Mas com certeza deixava fria
O calor doloroso que é meu coração
Que me queima sem pedir
E dói sem se despedir
Agora pergunte de novo
Se falaria de ti no meu último escrito
Pois aqui estou, num quarto sem grito
Cautelosamente lhe escrevendo, pisando em ovo por ovo
Enquanto a arma desmonto, remonto
Tu podes recusar, fingir que não é contigo
Mas a assinatura que deixo não é traçado
Mas sangue não muito antigo
Tirado num estalo sem final, dando fim ao perigo
De uma vida já sem ti, já sem libido.

-R.C.

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Privado

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Queima. Minha pele se contorce a cada fração de segundo pelo toque do sol. Poderia ser pior. Ele podia estar inteiro me tocando, mas essa grade o impede. Queria poder quebrar, rasgar, destruí-la. Pular para minha liberdade enfim, sem medo de perder tudo. Esse pensamento foi bobo. Afinal, que tudo, se justo isso me faz querer sair deste lugar?
O silêncio é insuportável. Não o de fora, inexistente perante os gritos e exigências feitos pelo meu carcereiro, mas o de dentro, pertencente a uma alma cansada de se defender, pronta para tomar o necessário, ainda que seja entorpecente e doloroso. Me pego a admirar essa dor. Ela provém de algo mais antigo, antecedente à minha prisão, simbolizado por essa grade: o suicídio. “Como admirar o suicídio?” você deve estar se perguntando. É simples, na verdade. Ele criou essas grades. Claro, ela representa algo muito maior, mas… ele criou. A necessidade de manter prisioneiros (assim como eu) longe das janelas criou grades.
Mantenho-me o mais longe possível delas para ficar longe da luz, no canto desse lugar. Olho para o céu de longe e desejo vê-lo escuro e vazio, como numa noite nublada. Seria o momento perfeito para deitar-me nesse chão frio e, pouco a pouco, morrer de dentro para fora. Faço o começo desse processo agora mesmo, encarando o teto sem graça, e tento lembrar dos bons momentos da minha vida.
Minha tentativa é falha, e as únicas lembranças que me vem são das minhas costas vermelhas, machucadas pelo abuso de poder dos donos do meu cárcere. Em seguida, recordo momentos de negros de minha consciência, quando minha mente ficou tão barulhenta, e sinto falta disso. É menos desesperador pensar que o barulho dentro de mim impedia ouvir o externo que, mesmo com o silêncio da minha cabeça, o mundo parece mudo. Esse processo acaba em um segundo, quando ouço o grito (provavelmente repetido milhares de vezes):
– Vem logo moleque, eu to mandando!

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