Correntes

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Livre de amarras, raízes
Eu vou onde quero
Ainda preso nos teus dizeres
Me espere que te espero
Livre para pensar nestes ares
Democracia no ponto singelo
Mas penso em outros pares
Eu imitaria o grande Nero
Liberdade suficiente
Pra beijar qualquer um
Mas que tua boca me alimente
É meu desejo comum
És livre pra ser experiente
Quero que não tente nenhum.

-R.C.

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Privado

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Queima. Minha pele se contorce a cada fração de segundo pelo toque do sol. Poderia ser pior. Ele podia estar inteiro me tocando, mas essa grade o impede. Queria poder quebrar, rasgar, destruí-la. Pular para minha liberdade enfim, sem medo de perder tudo. Esse pensamento foi bobo. Afinal, que tudo, se justo isso me faz querer sair deste lugar?
O silêncio é insuportável. Não o de fora, inexistente perante os gritos e exigências feitos pelo meu carcereiro, mas o de dentro, pertencente a uma alma cansada de se defender, pronta para tomar o necessário, ainda que seja entorpecente e doloroso. Me pego a admirar essa dor. Ela provém de algo mais antigo, antecedente à minha prisão, simbolizado por essa grade: o suicídio. “Como admirar o suicídio?” você deve estar se perguntando. É simples, na verdade. Ele criou essas grades. Claro, ela representa algo muito maior, mas… ele criou. A necessidade de manter prisioneiros (assim como eu) longe das janelas criou grades.
Mantenho-me o mais longe possível delas para ficar longe da luz, no canto desse lugar. Olho para o céu de longe e desejo vê-lo escuro e vazio, como numa noite nublada. Seria o momento perfeito para deitar-me nesse chão frio e, pouco a pouco, morrer de dentro para fora. Faço o começo desse processo agora mesmo, encarando o teto sem graça, e tento lembrar dos bons momentos da minha vida.
Minha tentativa é falha, e as únicas lembranças que me vem são das minhas costas vermelhas, machucadas pelo abuso de poder dos donos do meu cárcere. Em seguida, recordo momentos de negros de minha consciência, quando minha mente ficou tão barulhenta, e sinto falta disso. É menos desesperador pensar que o barulho dentro de mim impedia ouvir o externo que, mesmo com o silêncio da minha cabeça, o mundo parece mudo. Esse processo acaba em um segundo, quando ouço o grito (provavelmente repetido milhares de vezes):
– Vem logo moleque, eu to mandando!

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Liberdade manipulada

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Sou um anarquista espiritual, eu não sigo regras, crio regras. Se os outros não me dão minha liberdade, eu crio-a. Do jeito que quero, do jeito que posso.Confrontos de nada são úteis, são sinônimo de desigualdade de poder. Algo só é justo quando há essa igualdade, quando há igual chance de êxito. A justiça é essa, não a clamada igualdade perante a lei, a igualdade econômica. Claro, poder é errado, mas a comprovação da tese de criação de poder por si vem de uma lógica inegável: quando há igual poder, é como se não houvesse poder nenhum. O problema é: até onde posso ir para obtê-lo?
Quando se é o oprimido, não é nada mais do que justo o uso da manipulação para a obtenção de poder. Grandes exemplos da história fizeram isso, como Napoleão: quando foi à batalha com número menor de homens, tornando eminente sua derrota, o General levou a luta para um terreno vantajoso, tornando assim, a situação igual, onde a habilidade se tornou a questão principal. Ele igualou o poder. Uns tinham força, outros a inteligencia. Isso é justo. Então, se sou manipulador? Não posso negar. Faço isso da forma mais fina e justa, minhas mentiras são intencionadas, assim como é o mundo. Que seja assim! Uso a forma ridícula do mundo a meu favor, tornando ele igual.
Certamente me perguntarão um dia se é certo um anarquista ler Maquiavel, o Florentino que dominou o conhecimento sobre o Poder, algo aparentemente contraditório, visto que Nicolau ensina a conquistar o poder e anarquistas querem derrubá-lo. A resposta é simples e direta: necessitamos saber como é a conquista do poder, pois, enquanto a sociedade Ideal não é alcançada, temos a obrigação de ganhar para si e para seus iguais esse poder. Claro, no sistema Capitalista isso é quase impossível, pois nele, Poder vem do Dinheiro e Dinheiro é Poder. Governos (meios de opressão da Elite sobre o povo) são mandados e desmandados por interesses particulares e econômicos. Não se engane com a falsa crença de o governo mandar na economia, mas a economia manda no governo. Portanto, quanto mais soubermos como ganhar poder perante essa enorme máquina escravizadora, justificada por um tal “contrato social” não assinado por ninguém e imposto a todos, é a vantagem que teremos sobre o mundo. A utilização de uma crueldade maquiavélica contra ela.
Sou anarquista espiritual sim, pois a igualdade nunca será dada sem luta. Ela é tudo que tenho, que terei, tudo o que posso fazer. E lutarei. Até o fim, ferozmente pela minha liberdade e do outro, pois só seremos livres quando um Irmão for tão livre quanto o outro. E teremos sofrimento para isso. Usaremos todas as nossas forças para isso.
Sou cruel. Claro que sou. Toda luta é quando não se luta só por si, mas por muitos. Sendo assim, não vejo crueldade nenhuma em manipulações. E vejo toda. Outros falarão que a verdadeira crueldade é com eles, mas na verdade, é consigo por ter que usar de manipulação para poder existir sem ser essa merda influenciável chamada de indivíduo. A manipulação é o meu instrumento para poder ter meu direito e dever do outro inalienável, denominada liberdade.

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