Os melhores discos nacionais de 2019 – e alguns singles.

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O ano de 2019 foi um ano abençoado para a música brasileira, em questão de qualidade de produção. Um ano frutífero, como não poderia deixar de ser, numa terra que constantemente dá espaço para mentes de artistas tão geniais.

Ano passado, mais ou menos nesta época, eu estava escrevendo sobre o EP. Espelho, da Drik Barbosa, menos de um ano depois ela lança seu disco de estréia, auto-entitulado. Por isto, pensei em escrever sobre ele mesmo, como uma continuação; porém, percebi que não teria como falar sobre esse disco, não pela falta de profundidade, mas porque eu queria fazer algo mais simples primeiramente.

E é dai que vem a ideia de listar meus discos favoritos do ano, e fazer um breve comentário do porquê deles estarem aí. Caso venha a calhar destrinchar mais conceitos em posts individuais, será feito. Sem mais delongas…

Não tem ordem, rank: somente listagem

Psicodelic – Coruja BC1

Não foi o primeiro álbum que ouvi no ano, mas definitivamente um dos que eu mais esperava. Desde 2017 quando o Coruja soltou o NDDN sou fã dele, desde a escrita, musicalidade à estética dos clipes a arte de capa.

Ouvi bastante e posso afirmar que eu gostei de Psicodelic como um todo. Eu costumo a dizer, pra quem quer ouvir, como analiso um CD a partir da primeira faixa. E o Coruja fez isso muito bem; Lágrimas de Odé é uma música extremamente completa, com começo-meio-fim definidos e poderosos. Por mim, a melhor faixa, dá o tom que o resto vai seguir, como se Psic. fosse uma conversa e Lágrimas fosse o script desse solilóquio do Coruja.

Vale a pena ouvir, mostra diversidade por parte do artista, que se aventura em variações dentro do rap em geral, além de temáticas e etc.

Mixtape: O Homem Não Para Nunca – Froid & Santzu

Admito que eu não sou o maior fã do Froid, e não havia ouvido Santzu antes desse disco. Por mim, o Froid lançou dois álbuns consecutivos que tinham conceito promissor mas execução mediana, o que me decepcionou, então passei a desconfiar de absolutamente tudo que ele faz.

Aí ele lançou essa mixtape colaborativa.

Por mais que eles chamem de mixtape, vejo algo muito bem pensado e quisá planejado. Ao contrário dos solos do Froid, o conceito é despretencioso e a execução excepcional. Não só a musicalidade está consistente e trabalhada como as letras estão bem escritas- tanto pra um quanto pra outro.

O primeiro som, Ninguém Morre Me Devendo, que não é a intro (que eu adorei, por acaso), coloca o Froid pra fazer o refrão de primeira, o que dá espaço pro ouvinte novo, como foi o meu caso, conhecer o Santzu sem um efeito de ancoragem. Dali pra frente, quando se ouve, ambos são igualmente valiosos para a construção da obra.

GEO_01 – GEO

GEO apareceu nas recomendações do meu Spotify por um som que ela fez com o niLL, artista que eu gosto bastante. Mas ela faz algo que flerta com o Pop, gênero que eu sempre evitei, em geral.

De primeira eu já amei o conceito de ciborgue utilizado como personagem por ela nas músicas, inclusive nesse disco de estréia.

 As expressões normais, como “comunicação“, ganham uma atmosfera mais completa, talvez mística quando utilizadas por ela. É um pouco de metáfora, de personagem, de estética e mais um pouco. Se no Trap é normal usar sons mais robóticos/eletrônicos e se vê uma significação, na música dela cada pequena nota dá um pouco de curiosidade do que vem depois- além de que ela tem uma voz excepcional de boa.

Recomendo todas, e especificamente na ordem do disco.

Capa para ilustrar qual disco é referenciado no texto.

PADRIM – FBC

Curto o FBC já desde 2016, por causa principalemente do DV Tribo, e passei 2 anos agonizantes pedindo mais música e um álbum; desejo que foi concedido ano passado com S.C.A., e para a nossa sorte a caneta dele não descansou.
O disco como um todo é bom, mantém um nível alto de sonoridade e até que há variedade.

Dito isso, vi dois problemas na obra que não necessariamente atrapalha o ouvinte de aproveitar, mas eu como fã me vejo na posição de mencionar: a introdução, que não acrescenta muito na compreensão total, e a falta de unidade do CD. São músicas ótimas, mas que mais cabem como uma mixtape do que um álbum, na minha opinião. É como se o conceito fosse ou amplo demais ou simplesmente não existente.

Em compensação, as músicas são deliciosas de ouvir, letras que mostram habilidade e os feats parecem ter sido escolhidos a dedo. PADRIM entra sim nos melhores.

Rap de Massagem – Hot e Oreia

O DV Tribo apresentou pro RAP alguns dos nomes que mais chamam atenção; e esse foi um caso muito peculiar. No grupo, dava pra ver já que esses dois tinham uma pegada não exatamente igual à dos colegas, mas eu não imaginei que daria em algo no naipe do que essa dupla entregou nesse ano.

Eu, sem exagero, me apaixonei por todas,

Capa do CD Rap de Massagem, da dupla Hot e Oreia

e repito, TODAS as músicas desse CD. A pegada comediante e ácida trazida nas letras, clipes e até instrumentais é única no cenário nacional; e até onde eles se colocam em posição séria, que (não por acaso) é logo na primeira do álbum, Eparrei, se vê a mesma ironia, mas utilizada em outro prol.

Eu garanto que os 30 minutos serão extremamente bem utilizados. Dou foco para, principalmente, Eparrei e Cigarro, respectivamente primeira e últimas músicas.

Fazendo Arte – Sant & LP Beatzz

Sant e LP já colaboravam há um tempo, e esse EP, que nas palavras do próprio MC é o último da carreira dele no RAP, foi lançado em colaboração.

A produção é de ponta, as letras seguem na mesma vibe- é sem dúvida uma perfeita despedida para alguém que marcou toda uma geração- se não de rappers, de ouvintes.

Um dos conflitos que passei quando pensava sobre esse EP foi que, pela simbologia, merecia esse estar no top 5 discos do ano, mas infelizmente a obra inteira soma 9 minutos; e por mais que eu já tenha ouvido esses 9 minutos 90 vezes, é injusto comparar esse conjunto com outros com tamanho maior.

Sem dúvida Sant fará falta e LP há de continuar produzindo com a mesma finesse.
Fizeram juntos uma obra memorável.

DRIK BARBOSA – Drik Barbosa

Finalmente, deixa eu falar um pouco da estréia dessa artista sensacional que é a Drik. Pra quem leu o post que deu origem a esse (o sobre Espelho) é óbvio que eu sou um grande admirador da versatilidade da Drik enquanto letrista e rimadora. Isso não poderia deixar de ser explícito no álbum.

Ela passa por muitos estilos diferentes,

Capa do disco homônimo de Drik Barbosa, que tem a própria sentada numa cadeira de madeira, em cima de um tapete, fundo branco.

mas é com tanta naturalidade que só se percebe isso ao fim, quando volta-se pra buscar alguma música que agradou mais, seja pela letra ou sonoridade, e fica muito fácil saber qual é qual. As transições do CD são excepcionalmente bem feitas, as melodias agradam muito e as rimas são de altíssimo nível.

Vale dizer que as minhas prediletas foram Herança (sim, eu tenho uma predileção por primeiras músicas, principalmente se elas traduzem o conceito de um disco com tamanha maestria), Rosas Liberdade. Não deixem de ouvir essa obra!

Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos – Thiago Elniño

Eu sei que a gente não ouve disco pelos interlúdios, mas eu devo admitir que no ‘Pedras, Flechas, Lanças, Espadas e Espelhos‘ as pontes são tão gostosas de ouvir que não tem nem como não ouvir e se ver aproveitando quase igualmente.

O Thiago é um letrista habilidoso, e usa de todos os artifícios para fazer músicas 

extremamente impactantes no ouvinte- frases como ” [… ]vários que assim como nós / tão esperando chegar sua vez / de acertar a boa, mega-cena, fé a toa / mas não se pode sonhar muito / quando tem que se acordar as seis” (Nova Oração, 3:30).

O disco fala muito sobre ancestralidade, como uma jornada que ElNiño leva o ouvinte a se conectar com suas origens pretas. Essa parte sai do meu lugar de fala, mas o que consigo dizer com firmeza é que independente se você tem ou não ancestralidade preta próxima, ele consegue te fazer sentir, ver e entender novas coisas.

Deste, destaco Nova Oração, Atlântico e Filhos do Sol; mas já antecipo que vale ouvir inteiro e aproveitar da aula de conceito que está tão próxima de você.

AmarElo – Emicida

Desde 2015, quando ouvi Boa Esperança, e o disco ‘Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e  Lições de Casa…‘ tenho esperado um novo conjunto por parte do Emicida. Não por pouco ele é um marco na música nacional, e AmarElo é uma continuação à altura desse legado que ele está deixando para nós.

O disco mostra o amadurecimento do artista,

tanto como pessoa como músico e poeta. Assim como Elniño e Djonga, Emicida trata aqui de resgate e herança da cultura preta, e faz isso com habilidade.

Dito isso, vale pontuar que as músicas até Ismália tem uma pegada mais leve em questão de sonoridade, menos graves- enfim, um estilo como um todo; a partir daí, ele coloca Eminência Parda e Libre, que parecem meio perdidas em meio ao conjunto- e não me entenda mal, ambas são ótimas, mas, em vibe, não me pareceram condizentes com o total.

Recomendo Ismália e A Ordem Natural das Coisas. A primeira tem um peso emocional muito grande e a participação de Fernanda Montenegro na declamação do poema de Afonsus de Guimaraens; já a segunda faz uma relação interessantíssima sobre a rotina da mãe do artista com o dia-a-dia da cidade, com alusões e metáforas que te fazem refletir.

Ok, não tinha ranking até agora, mas esses dois merecem diferenciação

Abaixo de Zero: Hello Hell
– Black Alien

Black Alien conseguiu algo impressionante: numa época dominada pelo trap e variantes mais aceleradas do RAP, fez um disco inteiro com instrumentais mais calmos e puxados pra um jazz em contraste; além disso, foi no caminho inverso da cena que, em geral, tende a glamorizar o uso de drogas (e não há criticismo, apenas

constatação, aqui) fez letras que dão um enfoque maior em como o uso irresponsável leva num caminho mais sombrio.

Pra ser honesto, os dois discos anteriores do Gustavo não me desceram tão bem; não é como se eu achasse ruim, mas o tom usado pra descrever os Volumes 1 & 2 de Babylon by Gus é quase canônico, tratando-os como obras-primas da música. Respeito essa posição, e pode ser que eu venha a admirar ainda mais no futuro. O ponto é que quando o clipe de Que nem o Meu Cachorro foi lançado, eu não estava inclinado a gostar tanto do som. Ouvi provavelmente em boa fé devido ao quanto eu curto Mister Niterói ou Como Eu te Quero, mas depois de terminar, eu já estava totalmente vidrado. Logo, quando Abaixo de Zero foi lançado, eu não tive opção se não ouvir, e ouvir e ouvir.

A ironia de usar um estilo de música que usualmente normaliza o uso de maconha, bebida, lean (novamente me sinto na obrigação de dizer que não acho errado ou certo, só constato que é o que acontece, principalmente no exterior) para fazer uma crítica sobre esses hábitos é genial. Realmente nos faz agradecer a força que o autor deve para largar, sobreviver e escrever músicas tão boas.

Ao contrário de alguns álbuns nessa lista, não há uma variedade grande no disco- nem em musicalidade ou em temática. Pelo contrário, Black foca nessa sonoridade flertando com o Jazz, bem orgânica, e usando comparações, metáforas ou discurso direto para falar sobre drogas. E o foco deu frutos.

Como dá pra adivinhar, recomendo que todos ouçam esse disco inteiro, de preferência pelo menos duas vezes. Uma em sequência e outra no aleatório, para ver o como a obra tem uma ordem proposital e como os sons individuais também são de qualidade. Dou destaque para o single Que nem o Meu CachorroÁrea 51.

Próspera – Tássia Reis

Pra quem acompanha o blog, essa parte não é surpresa alguma, visto que lá pro meio do ano eu já havia falado desse disco e elogiado ele de todas as formas e em todas as formas possíveis. Por isso, eu não vou me extender muito nesse comentário.

Próspera, ao contrário das virtudes do Hello Hell acima, faz músicas de todo tipo- e muito bem. Tássia Reis

demonstra versatilidade, interesse e clara dedicação em mostrar que pode explorar qualquer estilo, vibe, gênero, temática; nesse disco, ela canta, ela rima, ela harmoniza…

Não cabe em palavras o quanto eu me apaixonei por esse álbum, a quantidade de vezes que ouvi a obra como um todo, as músicas individuais… enfim, Próspera é, de fato, música de todos os tipos e da melhor qualidade.

Fica aqui novamente o apelo para que todos ouçam esse disco, que para mim é atemporal e indispensável. Depois de alguns meses ouvindo, não vou deixar de recomendar uma favorita como fiz antes. Mas serão 3.

Dollar Euro, com participação da Monna Brutal, um trap muito delicioso de ouvir, participação espetacular e rimas agressivas. Eu + Vc, com participação do Fabriccio, um som mais meloso e calmo, mais cantado e tocante. Por último, Me Diga, que é um bom meio do caminho entre as duas anteriores, que trás uma mensagem de auto-reflexão e inspiração.

Extras…

Esse post já está muito, mas muito, maior do que eu pensei em primeira análise, mas já que estamos aqui, vou matar tudo de uma vez- e por último, além dos discos, queria falar de alguns singles que eu acho que marcaram o ano de 2019 (pelo menos para mim):

Peguei a Xai – Dona Maria MC

Esse som é um trap muito delícia, e a Dona Maria sempre entrega uma rima à altura.Aposto muito um próximo disco dela.

Time da Casa – TheGusT

Curto bastante a sonoridade do TheGusT como um todo, e nesse som eles voltaram ao antigo estilo deles, e misturado com um pouco do novo. Vale a pena conferir.

Jogador Caro – Negus

Negus é o vulgo do antigo Nego-E, que trouxe pro mundo em 2016 Oceano (um dos meus discos favoritos). Depois de um tempo sem novidades, esse som deu pra matar a saudade.

O Quarto Continente – GÁBE

Logo depois de lançar seu EP visual, GÁBE soltou esse single como uma continuação- e inclusive ambos conversam muito bem.

Os Três Continentes de um Soundcloud – GÁBE & Arit

O GÁBE é sem dúvida um dos rappers mais talentosos na cena em questão de escrita; ele ousou nesse EP visual experimentar com gravação, propostas mais abstratas e acertou em cheio. Coloquei ele aqui pois, em questão de autoria, menos de 5 minutos do EP são escritos e rimados pelos próprios. Ainda sim, marcou!

SDDS Sant – Furamil 2Cão

O Furamil manda muito bem desde o começo, e parecia que haviam parado de lançar ano passado, mas pegaram o hype em cima da aposentadoria do Sant e lançaram esse single que tá ótimo.

Licor – Budah

Ah, a Budah. A voz dessa mina me impressiona de tão boa, e essa música não sai nem um pouco da reta dessa expectativa.

 

Vista Loka – Bivolt

Bivolt é muito talentosa na caneta e voz- e depois de uns meses na inatividade, soltou esse som com clipe, que com visuais chamativos e pegada (ainda) mais combativa.

Termino aqui os melhores de 2019. Concorda com tudo? Faltou algum disco ou single que você colocaria? Manda aqui pra gente!

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Uma história com 4 inícios (e finais) – o que mudou de 2015 pra cá

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Existem milhares de maneiras de
dizer a mesma frase. Modificar a ordem de certos termos numa frase, usar
sinônimos, adicionar e/ou remover palavras (dentre muitos outros instrumentos
da Língua) são ferramentas que te permitem expressar ideias iguais de maneira
diferente. Expandindo um pouco o uso das mesmas ferramentas, dá-se por exemplo
a passagem de duas mensagens com frases parecidas. Ou mensagens completamente
diferentes com expressões diferentes. Enfim, o meu ponto é que o Português, por
si só, já é extremamente versátil e comporta muitas formas de comunicação.

Imagine misturar essa versatilidade
à arte. A imensidão de sentidos e maneiras gera um vão para olharmos e compararmos
como se diz e porquê.

Por isso que hoje, quero falar de
sobre uma imagem poderosa. Eu não sei exatamente o porquê ela é tão forte, por
quê causa um certo desconforto inconscientemente. A imagem aparece em 5 vídeos
do Rap nacional- ‘O Que Separa os Homens dos Meninos’, Sant; ‘Crime Bárbaro’,
Rincon Sapiência; ‘CORRA’, Djonga; ‘Bluesman’, Baco Exu do Blues; ‘Deus do
Furdúncio’, BK- de maneira similar: a imagem de um homem, negro, correndo.

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