Travesseiro

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Os nossos filhos já tinham nome
Nenhum sonho passava fome
Como um ciclo não se consome
O sono agora some
Não creio que foi tão momentâneo
O futuro era certeiro e espontâneo
O presente tão costumeiro tão rotineiro
E sem mais nem nada, foi-se ligeiro
Foi o que eu fiz? Mas o que fiz?
Foi falta de fazer? Eu tinha como saber?
Há jeito de consertar? Você sabe que eu quis
Eu queria um destino, você tão indecisa
Tão sem sentido e não precisa
E eu já pensando em Ezequiel e Maria Luiza
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Começos bons

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  • Tempo de leitura:1 minutos de leitura

O ano era 2016
Eu atravessava a rua
Pra pegar o 513L-10
Quase sempre atrasado
Eu e o transporte
Quase nunca rejeitado
Mesmo quase sem sorte.
A sorte era tua
De ter esse zero à esquerda
Sempre com nova queda
Largando moeda
Pra te ver no cinema
A janela era pequena
De tempo e visão
A gente num esquema
Já tocava o coração
Pra quem seguia o lema
Álcool, rap e pegação
Você burlou meu sistema
Virou a única opção
Agora anos se passaram
E já não somos conhecidos
Passaram e se acabaram
Meus tempos destemidos
Contudo, contundido
Esperanças afogadas
Respiro num mar de derrota
Um idiota de anedota
Sem caminho, sem rota.

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Perfumes

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Era uma vez um homem
Sedutor de mulheres compromissadas
Não pra causar desordens
Mas para traírem e serem amadas
Comprarem o que do amante
Era mais marcante
O instinto primeiro
De quem abraça
É sentir o cheiro
Antes e depois do amasso
O vendedor de perfumes por inteiro
As queria, de graça
Conquistava-as, com esmero
Tirava-as da desgraça
Nunca possuiria
Completamente
Só o corpo, não a mente
Elas o riam
Sem saber o que sente
Só tesão, ele mente
O vendedor de perfumes
Escondia sentimentos
Como quem tira lumos
De quartos fechados
Hoje coleciona as mulheres tidas
Mas não tem solução de Midas.

-R.C.

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Barroco contemporâneo

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Idas e voltas
Navegações infinitas
Nau secular transbordando
Todo um mundo em seu deck
Ondas…
Só sobram ondas.
As quis mas falta mais
Como vais?
Gostaria de lhe pedir
A mão na minha
Sejamos dois corações apaixonados
Pendular,
Hora quer
Hora vai
Licurgo, me largue
Legislaste minhas perdas
Sem mais espaços
Divergindo entre espaços
Há muito tempo
Que estou sem
E ficou quem?
Só a tenho em memória
Deixou minha vida
Para habitar minha estória
Devaneios entre o que e o se
O fato é uma vida sem
Refletindo sobre como estar
Outras? Mais de cem,
De lugar em lugar
Se o lugar não colabora
Ressuscita-lá não será agora.

-R.C.

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Pra, por

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Pra quê?
Já havia acabado
Por que?
Pra me deixar nesse estado?
Pra quê?
Eu já morri tantas vezes
Por quê?
Dentro de mim tantos seres
E todos falando de um futuro obscuro
No coração e no pulso um muro
Pra quê?
Teu sangue já caiu
Por quê?
Meu sangue imita
Psiu!
MInha cabeça agita
Pra quê?
Já não tenho razão
Por quê?
Também não toca na minha mão!
Não levanta minha manga,
Não tira minha camisa!
Sem tocar as feridas
Azul de quem pisa
As feridas são suas!
As dores são suas!
A dúvida foi sua,
Mas colocou em mim.
Os cortes eram seus
Mas os fiz em mim
Com força de Zeus
Tirei tudo enfim
Pra quê?
Por quê?
Só você!
Não tem de quê!
A dúvida mata
Você me mata
Me embebeda
Me ceda
O mundo não me aceita
Digo não
Não pra tudo
Não pra mim.

-R.C.

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Décimo sexto dia

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Hoje, novamente
Comemoro num cemitério
Mesmo tendo sangue quente
Não o levo a sério
Pela segunda vez
Canto a cantiga
No amado português
Não uma menos amiga
Não quero que seja
Antiga tradição
Mas o destino me cheira
À dura traição
Destinado a viver fora.
Fora de mim,
Fora do agora
Fora do grupo, continuo assim
Sem pertencer
Só morte
Não consigo manter
Minha sorte
Lápide detalhista
Poético epitáfio
Se minha morte fosse mal-quista
Contra ela haveriam mil
Mas não, só eu
Num caixão moderno
De quem viaja ou morreu
Ocasião para terno.
Minha sorte não existe
Nem o destino
Nem Deus que hesite
Para socorrer este meino
Nasci na família errada,
No dia errado,
Na idade errada,
E comemoro errado
Celebro a série de falhas
Acidentais até aqui
De novo no sétimo dia
Anterior ao sétimo dia.

-R.C.

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No jantar

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Boa noite princesa, como vai?
Vou muito bem, e você papai?
Também anjo. Já cheguei, mas logo mais tenho que sai
Mas por quê? Trabalhou o dia todo, isso a um mês ou dois…
Não é pra tanto meu anjo, mas é fase, melhora depois
Só tô com saudades. Senta comigo, vou comer um arroz
Acho melhor não, tenho que ir num lugar
Mas como assim papai, espera a mamãe chegar!
Não da filha, mamãe vai quer nem me olhar
É só não abrir o olho perto de você
Se fosse só isso… não quer me ouvir
Aí você se faz de mundinho
Uma casa cega e muda? E o que ia pensar o vizinho?
Ah, que a gente brinca toda hora. Posso também brincar?
(Ouve-se a campainha tocar altíssimo)
Filhota, tô indo então, te amo
Mas eu quero jantar com você! Fica comigo!
Eu já volto então meu anjo, só compro um cigarrinho e como contigo
Jura mesmo papai? Eu vou ficar esperando…
É isso que sua mãe tá fazendo
(Anos se passam e ela sentada à mesa
E a cada dia que passa ela perde a surpresa
Do pai não voltar pra comer a sobremesa.)

-R.C.

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Para nunca mais se sentir só

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Andei só. Meti-me nas ruas, a espairecer sobre minha enorme solidão, sem rumo ou objetivo.

Sento-me no meio-fio, chorando correntes, córregos, lagos, riachos, cachoeiras, rios mares, criando meus próprios oceanos, quando dois cães de rua acomodam-se cada um de um lado meu. O da direita tem pelagem preta, olhos caídos e vermelhos, dentes afiados que se expõem bastante a medida que ele abre a boca, sem eu entender a razão do ato. O da esquerda é cinza, mas tem manchas pretas, tão escuras quanto seu comparsa. Seus olhos são igualmente caídos, cheios de remela, seu andar é desesperador de tão lento. Sua expressão só piora com o pelo molhado pela chuva. Ah sim… a chuva. Ela começou momentos após a chegada dos cães, mas eles não se intimidaram. Afago cada um um pouco e sigo caminho. Mesmo andando, deixo o mais lento para trás e o outro me segue uns minutos, mas me abandona onde há mais movimento.
Observo bares abertos nas esquinas, e todos estão acompanhados, mas solitários. A simples companhia de um estranho não é suficiente para afogar um sentimento de solidão, intensificada pelo falar geral. Um falar desesperado, expressando, para fora, todo o vazio presente dentro. Um falar não conversador, somente auto-informador, como se devessem buscar, nos outros, a afirmação de uma verdade qual ninguém ali acredita: a vida vivida por quem ali está, é de fato, boa. Tenho a coragem de notar minha própria solidão, e afirmar ela, sempre atento a tudo a minha volta durante esse trajeto. Atravesso as ruas e encontro um grande bosque.
Ao olhar bem, vejo uma cadeira entre árvores. Talvez seja perigoso, mas, foda-se a minha segurança, sento ali mesmo. A posição permite a entrada de somente um feixe de luz da lua. Em momento algum paro de pensar nela. Em nenhum momento. Minha cabeça é povoada e cheia, ao passo que a minha vida é tão chata e vazia.
Volto a caminhar, atravesso o bosque, e em meio a plantas e plantas, dou de cara com um penhasco, onde só se vê e ouve o imponente mar. Sinto minha carne arder pelos espinhos que me cortaram, a chuva no meu cabelo, ouço atentamente o som das ondas abaixo de mim. Olho o mar e sinto algo estranho, mas presente todo o tempo, e, repentinamente, começo a relembrar a noite que passei. O que me faltaram foram pessoas, mas eu nunca estive sozinho. Tanto o mar, quanto a chuva, quanto a lua, os bares, e os cachorros tinham sido minha companhia, e eu não podia ser mais grato a eles.
 
 

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