Pressentimento – prosaico de Fernando Pessoa
Há muito já te quero mas não via um momento de
dizer. As tentativas foram infinitas, mas o momento nunca parece certo; o sol
se esconde, ou minha coragem desaparece, ou brigamos, ou tudo é perfeito, mas
falta algo. Eu consigo te descrever desde o fio de cabelo, menina dos olhos,
defeitos do nariz, tamanho de pescoço, seios, formato da bacia, volume das
coxas e o quanto tu calças. Eu sei o que aprecio em cada uma dessas qualidades e
nas que não podem ser observadas. Demora para eu colocar pra fora que te quis e
quero.
Sabe, não faz sentido só falar dos seus olhos:
que são azuis, você já sabe; a maneira com a qual eles se impõem sobre tudo
observado também não é segredo; qual pequeno detalhe eu devo colocar para
ilustrar o quanto eles me atraem? Não sei. O mesmo vale para teu corpo, tua
mente, teu espírito. Sinto que tua alma me atrai, tua aura me toca- mas se nem
os grandes poetas conseguiram falar tudo do amor, quem sou eu pra tentar te
dizer? Mesmo a lista completa tem furos, porém, é negligente não listar.
É negligente pois eu hei de te dizer tudo que
amo. Mas, quanto mais falo que te amo, você parece não ouvir. É um efeito
bizarro: o que eu sinto precisa ser externado, mas entrelinhas parecem
inexistentes para você. Se não falo, não te atraio. Se te calo, te espanto. Sem
falar do que tenho em mim pra ti, fico angustiado. Preciso falar para que
saibas; precisas ouvir para que possas dizer.
Mas não falo. Não ouves. Não sente o mesmo. Não
nos unimos. Fico sem voz para ti. Qualquer um vê que perco a vitalidade a cada
momento.
Sem mais meios para lhe comunicar, expressar e suceder,
ouso pôr em palavras o indescritível, para quem sabe você entenda. Ouso tentar
tirar de mim algo essencial, para quem sabe tu sintas o quanto és especial.
Tiro da minha mente um pouco de mim, para quem sabe você me tenha contigo…
-R.C.