O amor me tem por completo

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Como eu poderia exigir afeto
Ele há de ser dado como promessa
Eu me dei a ti, não esqueça
Se não me queres, fico quieto
Mas aqui, ao seu lado
Afinal, a felicidade que sentes é sua
Não tenho direito de dizer que acaba

O amor não pune,
Ficarei como sentires feliz
O amor tem seu perfume
E por isso que ficar eu quis
Pois se te fiz feliz, e faço
Neste momento, deve ser hora de encarar
Que não tem espaço do mundo que faça parar
Ou tempo longíquo pra esquecer

O amor segue intacto
Como uma pintura estática no tempo
O amor sempre tem impacto
Talvez não do meu jeito

O amor deve ter gosto das cerejas
Que deixei de ver por estar em casa
Este amor jamais relampeja
Não importa quanta chuva tenha na janela.

L.Giannoni

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Coisa de gente grande

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Eu sou fraco
Acordo atrasado e fico deitado sem poder
E se nada me força a levantar
Sabe-se lá quantas horas vou perder

Se sou agora, serei amanhã
Um desejo aflora de um menino que sonha
Quantas noites que sonho em sonhar,
Pra me assustar com a realidae
Que me pus a imaginar?

Desejos e sonhos, impulsos e planos
Ser fiel a todos é ledo engano
Uma moça sábia me disse um dia
Pra perseguir os sonhos, pois via
O como nos traem os planos
Como sou fraco, no calor de um ato
Tracei uma linha em tinta de caneta
Pra evitar que as borrachas da vida
Ou a conveniência de formas óbvias
No meu caminho depois se intrometa.

Desconfio que o desenho possa mudar no futuro
Então me enjaulei com meu sonho mais puro
Assim o tédio não pode me aprisionar
Assim por mais que seja duro
Não vai me faltar o que amar.

-R.C.

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A ousadia é uma amiga íntima da felicidade

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Nunca é tarde pra tomar decisões.

Quando era mais novo, pensava mais imediatamente que hoje, ainda novo. Porém, agora, talvez num relapso de lucidez que vai me deixar tão rápido quanto demorou pra chegar, vejo que não há tempo melhor pra voltar atrás do que agora.

Não sou arrogante de afirmar que não há arrependimento que requer aceitação plena e um tanto de angústia, mas tenho certeza que estas são minoria, pequenas atitudes dentro dum oceano de possibilidades. Num dia só já são tantas… do despertar ao piscar de olhos anterior ao sono somos cercados inteiramente por escolhas, e amiúde tomamos as coisas como dada.

Por exemplo, um homem pontual sai de casa, e ao chegar no ponto de ônibus nota que esqueceu o guarda-chuva; o dia está nublado, as nuvens cinza-escuras e o cheiro de terra molhada conta uma história por si só. Neste momento, ele só pega o ônibus e volta molhado para casa ao final do dia. Ele aceita, logo ao início do dia, que ser pontual é natureza dada, e portanto o guarda-chuva esquecido é incompatível e não merece consideração. Ele não vê que tem a opção de chegar 10 minutos atrasado no trabalho para ao final do dia não se molhar. Decidiu sair de casa pontualmente, decidiu entrar no ônibus, e ao final do dia se arrependeu de não pegar o guarda-chuva.

O leitor atento dirá que ao final do dia era tarde para pegar o guarda-chuva, e para isso respondo: no dia seguinte, quando estiver no ponto novamente, ele terá a mesma escolha. E novamente irá escolher a pontualidade, para se frustrar ao final do dia. E então não será tarde, mas sim o momento certo.

Somos livres para escolher nossos venenos, seja ele a chuva no ombro ou a bronca do chefe, a dor da rejeição ou a angústia do segredo, a insegurança do novo ou a monotonia do velho, o tesão da incerteza ou a calmaria do constante. 

A ousadia é uma amiga íntima da felicidade, e o ousado quem sabe está dois passos mais longe na maratona da alegria.

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O seu corpo é mais lindo do que entendes

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As suas curvas devem ser invisíveis
É um mundo todo de sutilezas
Deve ser coisa pra sensíveis
Olhos pra beleza

É um tipo novo de formato
Um estilo além da compreensão
Os olhos enganam de fato
Tenho que olhar pela minha mão

Passando-a lá quem sabe vejas
Onde seus ventos fazem curva
Onde quer que estejas
Sempre deixas razão turva

O vestido, a saia, a camisa
Corpo despido ensaia a dança
Restituído de toda esperança

O cabelo, o pescoço, os pés
No espelho vês grosso, não crês
Você olha e não sabe o que vês.

L.Giannoni

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Terra da Garoa

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Hoje choveu garoa na cidade de São Paulo e, meu amor, senti que a cidade voltou ao seu natural de tristeza que não te vi.

Fazia tempo que a metrópole não se rendia à moda antiga, deixando (por uma tarde) de lado as tempestades ou secas modernas.

Quando senti o sereno no rosto, veio calma advinda de um outro tipo de nostalgia. Era saudade. De uma neblina fraca, mas atrapalhando o olhar, comparado com a visão, de uma rotina que, apesar de nunca tida, eu abandonaria com você.

O amor que tenho por você é semelhante ao amor a deus; acredita-se na existência e defende-se com tudo algo que, pela falta de matéria, é pouco mais que (ou somente) uma idéia. O amor que espero de ti é como o temor da morte; imponente, algo só pensado quando se chega perto. Quero que sejas minha viúva, sem morte ou casamento, e, olhando essa garoa caindo do céu paulista, veja nela as lágrimas, não choradas pela minha não-morte, e o não-luto seja eterno. As lágrimas que espero de ti são como flocos de gelo: frios, escondidos quando sós e claros na abundância. Que venham numa mudança brusca de calor em ti e, por um instante, percebas a falta que lhe faz meu calor.

Choveu hoje e, ao fechar um pouco os olhos para ver melhor, decidi tirar o capuz e sentir a água caindo.

Lembrei de como contei da natureza mágica da chuva, como aparecia nos meus maus momentos e lembranças. Sentindo as gotículas na nuca, tentei buscar em mim o ruim ativador da chuva e vi como sentia sua falta, mesmo te vendo todo dia (quase), pelo fato (em pouco tempo) não mais lhe ver. Não te peço para esperar, meu amor.

Só lhe peço para, quando São Paulo resolver garoar, lembrar-se de mim.

L.Giannoni

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Um passeio pelo parque

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A gente se mantém ocupado
Até se encontrar apaixonado

Sem fazer esforço nem nada
Sendo fiel à flecha, e leva espada

De surpresa, e de repente
Sair da dor domina a mente

Analgésico, opióide, psicodélico e tudo mais
O que tomar necessariamente? Tanto faz

Pego caixas e leio as bulas
Todas dizem, todas burras

Todas disputam atenção dum moribundo
Cujo decorrer soa imundo

Pego livros e leio versos
Por que será que leio versos?

O relógio bate as seis, bate as dez
Me vem à memória os seus pés

Tarado ou saudosista, pergunta o leitor atento
Antecipo ser os dois, mas depende o momento

Ah esses versos, esses pés
Me despertam poesia, ou seria o invés

Esses pés, estes versos
Não os entendo, eu confesso

Seria poesia criando atração
E a leitura, de antemão

Despertou o que estava lá?
Tanto faz, estás longe; que sorte má

E sigo fazendo esse ciclo infinito
Pensando em qualquer coisa, mas é só surgir atrito

Que surge você logo ao fundo
Afinal, não é assim que vive o mundo?

A gente se mantém ocupado,
Até se encontrar apaixonado.

L.Giannoni

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Os anos

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Os anos ficam mais difíceis conforme eles passam
E não há como pará-los
Nem eles, em si, ou sua crescente força
É a natureza da passagem do tempo
O segundo sobe em seu ombro como uma criança brincando
(Drummond avisou sobre o mundo bem como a velhice)
E vão se acumulando até que não se aguenta mais

O que posso fazer, se o peso fica tão grande?
Quem sabe compartilhá-lo.

Quem dirá quão difícil será?
Só o tempo.
Mestre de si, causa e indicador.

-R.C.

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Ainda

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Ainda posso voltar atrás
posso me jogar com tudo
descobrir o que me satisfaz
E mesmo assim escolher outro

Ainda não encontrei meu grande amor
não superei meu último
Nem o antepenúltimo cessou a dor
Ainda nem voltei a procurar.

Ainda penso na minha terra
em como a vida não era simples
acho que erra
Quem me diz que não vale o estresse

Ainda escrevo estes poemas
Que não rimam nem falam
Sobre grandes problemas
Pra ser sincero, só te enrolam.

Pra ser sincero,
Ainda há tempo pro que eu quero.

L.Giannoni.

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Os Barulhos

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O espaço é curto
Minutos tão apertados
Teu corpo num surto
E espírito relaxado

Se perca na minha música
Que não tem nota nem melodia
Mas que dá arritmia única
Pois trás a tona o que você não entendia

Pensa bem, mas não pensa muito
Já sabes quem anuncia intuito
Na sua boca é carnaval, os cantos
Não escondem a festaça ou os gritos

Sendo obscuro, tal anjos não alados
Temos tudo, sem espantos nem espadas
Nem surpresas nem usurpadas
Só esse espaço que nos é limitado

A vibração segue tão firme,
O pericárdio não para quieto
Tens o olhar de quem não assume
Ter enfim se sentido completo.

E na bagunça do meu sussuro
Deixo em ti marca eterna
O teu peito eu esmurro
E bambeia tua perna.

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Escalas

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Adão corre. Sai correndo pelo
corredor extenso e frio da saída do avião. Somente com uma mochila levemente
preenchida e uma garrafa d’água nas mãos, não podia ser mais econômico quanto a
espaço e bagagem. Muita gente olha. Quem sabe julgando-o por marcar escalas tão
próximas, quem sabe só observando. Ele tem pressa. Muita pressa.

Saindo do portão A1, ele olha para
os lados e busca uma tela para ver o voo com destino à Bagdá. Os olhos passam
rápido pela tela e finalmente, encontra-D1. Coincidência? Talvez. Mas, se
tratando do aeroporto de Dalas, um dos maiores do mundo, tudo é possível. Ele é
preenchido pela sensação de ansiedade, como se fosse a madrugada antes de um
passeio de escola.

Caminhando com velocidade, seus
olhos passam pelos olhos estranhos, buscando familiaridade em cores,
sentimentos, letras e números. Tantos olhos. Sem nome e sem personalidade,
barro a ser moldado no momento no qual ele faria uma pergunta. Mas nada. Não
que ele esperasse encontrar algo ali, mas a ansiedade não o deixava pensar
normalmente, racionalmente. Era como se fosse controlado por algo, mesmo que
fosse dono de suas ações.

Depois de muitos olhos, corpos, três
letras e uma quantidade impressionante de números, chega no bendito portão. D1.
O avião havia acabado de chegar, pela quantidade de movimento entre os
comissários de bordo e passageiros. Ele vê um banheiro a poucos passos, então
resolve ir até lá, molhar o rosto, retocar o desodorante, escovar os dentes e
etc.

Olhando-se no espelho, a euforia o
fez ver cores nunca antes percebidas em seu próprio rosto. Sua pele tinha tons
não lembrados- era como olhar-se pela primeira vez seu reflexo. Após 12 horas
de voo até ali, era inacreditável como parecia que tudo tinha começado
exatamente ali.

Saindo do banheiro, escaneia
novamente os olhos do ambiente. Dessa vez, ele encontra.

Era Lilian, uma antiga paixão de
adolescente e recém-adulto. Quanto tempo havia passado desde que se viam!
Imediatamente ela avista ele também, e dão um abraço. Aquele cheiro era impressionantemente
nostálgico, como bolo de chuva. Remetia a uma maciez, uma inocência,
persistência tão distantes, mas extremamente recentes. Para Adão, era quase
como fosse seu primeiro amor, novamente.

Eles conversam; ela sobre seu tempo
em Bagdá, sobre todas belezas, as pesquisas, o seu envolvimento com a política
internacional, guerras intelectuais- e destoa por 4 minutos ininterruptos. Ele
só ouve-a discursar, atento ao dito, mas com olhares para os trejeitos. A boca
articuladíssima, a imposição que tinha tanto pelos gestos quanto pela escolha
das palavras, o olhar duro (parecia relembrar enquanto falava, como se, mesmo
olhando nos olhos de Adão, visse algo a mais; a guerra, as crianças pelas quais
lutava, as irmãs tiradas de situação abusiva, a quantidade enorme de homens
reprovando-a por ser ‘forte demais’), a tensão carregada nos ombros.

Terminando o discurso, eles caminham
até o café mais próximo dali- o voo dela seria em 1 hora, então ela não tem
pressa como disse. A conversa desenvolve para campos mais nostálgicos; de
repente, lembravam aos poucos do namoro, curto, mas relevantíssimo, altamente
influente apesar de aparentar só um caso de poucos meses- afinal,
relacionamentos devem ser grandes (ou eternos). O passado fica para trás, mas
não deixa de influenciar o presente. Sem mais delongas, ao perceber que ela não
tem compromisso algum, Adão toma o primeiro passo e a beija.

O resto não é relevante para o
detalhe, apesar de já passar na mente do leitor. Após muitos beijos, conversa,
ela entra no avião e voa de volta para casa, longe dali e longe da casa de
Adão. O pequeno caso do passado desenrolou em um pequeno caso no presente, e
vira pretérito novamente. E tudo bem.

Pouco depois de ela ir embora, Adão
recebe uma ligação. É Luís. Ele atende e já houve questionamentos de todos os
tipos, mas focados no fato de ele ter sumido, do nada, e ficado 12 horas
desaparecido. Não há resposta do porquê, mas afirma que já está voltando.

“Você
viajou pra onde dessa vez?”
“Dalas.”
“Ela sabe que já aconteceu algumas vezes?”
“Não. E nem precisa. Essa é a última vez.”
“Ave… após dez anos? Você contou a ela dos teus filhos? Da esposa?”
“Não. Só queria vê-la entre meu voo de ida e de volta.”
“E como você sabia? Arriscou?”
“Eu nunca arrisco. Foi só uma transição.”
“O que falo?”
“Que tive uma emergência. Não é como se ela tivesse opção.”

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