O tempo tudo desgasta. Sem interferências externas à natureza, qualquer coisa cai. As colunas sustentadoras, ao início de aparência invencível com seu concreto e cor alva, só necessitam de alguns meses para os primeiros sinais: manchas poluindo seu visual. Dê alguns anos e pedaços caem ao chão, fazendo rachaduras. Não é necessário falar que um tempo passará, e a coluna deixará de cumprir sua função. O azulejo quebra com a queda do concreto. Mas, será que além do físico, ele já não está destruído? Ora, a pedra fora a primeira coisa a tocá-lo em anos… e não é esta sua função? O chão já não exerce sua função de apoio. Milênios passarão e pés nunca o tocariam. A dança não ocupou-o mais e a música, portanto, não chega nas paredes em ruína (as quais não cumprem suas funções de barrar sons). Nas paredes só sobram os pregos de ferro já tomados pela ferrugem, quadros desbotados, uma cruz de madeira já devorada pelos insetos, prateleiras arruinadas pelo tempo. A função de acomodar enfeites já não existe e a desfeita com peculiaridades do lugar é vista pelo mundo afora. Ventos são sentidos com intensidade- sejam eles quentes ou gelados. A chuva entra por todos os lados, inclusive por cima, com a falência do teto. A cobertura já não existe ou faz sentido. Sem colunas firmes, paredes silenciosas e chão acolhedor, o teto não precisa cobrir nada é muito menos ter apoio. A habitabilidade é impossível e o tempo implacável. Note que, sem mudança, essa tendência é certeira. Acontecerá, goste o mundo ou não pois construções ruem. Assim são relações. Necessitam de cuidados para serem estáveis em si, sentidas intensamente, firmes nelas mesmas e (o melhor) cuidado por ambos. O tempo estraga. Mas, sabe como é né? Contigo, me sinto em casa.
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Fotógrafo- Victor Dragonetti Solitário é o sanfonista que, com muita boa vontade, solta notas a um casal. Eles, sem dó ou rétenção de suas vontades, se beijam só esperando. Solitário é o homem, que ama a garota, mas espera o ônibus que a leva longe, onde sua menina geralmente está, deixando-o sem seu espírito. Solitária é a garota, que não tem a coragem de contar a ele a verdade, e acabar com algo gostoso, mas temporário, pois espera o sentimento certo, não encontrado nele. Sente que perde tempo, assim como vai perder o ônibus na sua frente e nunca esquece isso. Solitária é a outra garota, observando o casal beijando, tentando desviar o olhar e esquecer que ele pertence a outra. Possivelmente, ela está enganada, mas o olhar dele quase elimina a possibilidade: o amor nunca deixou o coração dela e sozinha sempre esteve desde que ele partiu, para estar com outra. O mais solitário é o fotógrafo, que, apesar de não sentir nenhum dos sentimentos citados, quer sentí-los mais que tudo, mas a única coisa que pode fazer no momento é pegar sua câmera e recordar esse momento de complexidade sentimental paulista. Porém, a maior dor é a do poeta, prosando em cima desse momento pois, para isso, ele sentiu na própria pele a solidão de observar um momento, a de ver um amor se distanciar, de não estar com um amor, de perder um amor e de desejá-lo intensamente.
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É longa a caminhada pretendida e pretensiosa planejada contigo. Mas assim é a vida; só podemos escolher com quem vivê-la, pois esta é enorme e cheia de pequeninas ramificações, e sua companhia neste labirinto é crucial como oxigênio.
Crucial não para os pulmões que dão a vida, mas ao fogo aquecedor de uma relação, dependente de alguém tal como um cheirador deseja pó, com a linda diferença do local de ação da química: um no cérebro, tornando-o escravo forçado, outro no coração, fazendo do Senhor escravo, e do Escravo senhor. Quem dera os amantes tivessem vício um pelo outro… tornaria tudo muito simples: remova a dose durante um período e gradualmente o paciente não desejará mais.
Um casal não funciona assim, pois, quanto menor a dose, maior o desejo, e este só cresce com o tempo. O caminho inverso é igualmente falho, pois a maior dose possível só causará maior dependência, uma relação paradoxal.
Assim deve ser o relacionamento. Um paradoxo indecifrável, onde a única coisa compreendida por ambas partes é o intenso sentimento de união e confiança, mesmo desconhecidas as origens, pois estas não importam.
O importante é estar “junto”
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Nem grega ou romana, mas clássica, de costume vigente a tempos. Dramática? Nem tanto. Este fora feito antes.
“Ridícula! Para escrever esse romance foi fácil, mas renega seu final feliz?”
Feliz para quem? Sejamos realistas, viver arcando com as consequências de romantismos mal escritos é cruel. Viveu, até agora, um conflito interno pesadíssimo: ir por sua essência -e mostrar que morrer por amor seria o feito dela, mesmo com toda sua vida dedicada a esse drama- ou ceder às aparências?
O Príncipe não é principal.
Mesmo participando do conto, só se interessam pelo futuro da princesa. E esta é somente princesa, pois nunca houve uma união verdadeira, um laço oficial garantindo o final feliz; logo logo, deve voltar a ser uma gata borralheira, escrava do tempo esgotado e mal aproveitado.
Agora o sapatinho já não serve mais, e com esse tempo passado, o Príncipe não a achará.
Apagar as linhas desta crônica já não é plausível.
Terminar sua vida com um sorriso no rosto é uma tarefa impossível.
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Certa vez, trombei com uma mulher quando estava no ônibus e sentei ao seu lado. Não saía do celular em momento algum. Olhava, digitava, pensava, mas nunca tirava os olhos do telefone. Pelas risadinhas dadas, caras e bocas feitas, deduzi rapidamente que se tratavam de conversas amorosas.
Com toda minha cara-de-pau, comecei um papo com a mulher. Perguntei, obviamente, qual o conteúdo da conversa tão engraçada.
– Hahaha… tô só falando com os contatinhos.
Achei estranho como ela chamou aquilo… não sou muito acostumado com o jeito de falar dela, mas deduzi se tratar dos garotos e segui a conversa.
-Nossa, são muitos então? Quantos?
Ela começou a me mostrar:Pedro-touro,João- peixes, Gui- Áries. João- Virgem. Isso me surpreendeu e perguntei a ela o sentido dos nomes ao lado. Será que eram tantos que ela tinha de fazer um detalhamento desse tipo?
Mas não. Aparentemente, ela sabia quem era quem; aquilo eram as notas dos signos de cada um. Estranhei, questionando a crença dela no zodíaco, obtendo, surpreendentemente, uma resposta negativa. “Acreditar, não acredito, mas eu sou de Gêmeos e Aquário… nem vai dar certo. Gostei de um certa vez, mas Áries e Gêmeos só da problema…” Por não acreditar, deixei de lado e segui o papo. Notei que em todos, religiosamente, a loira (Bruna) colocava o signo ao lado do nome. Conversa vai, conversa vem e ela decidiu pegar meu telefone.
Passei meu número, que foi anotado com o contato constituído pelo meu nome e um traço. Discretamente, perguntou qual era meu sol no zodíaco. Eu, interessado-Bruna era bem bonita- rapidamente repassei mentalmente a conversa, lembrando das características dos signos e tudo mais… e ela não falou nada mal de Capricórnio. Tentei me passar por este.
Não adiantou. Ela, bonachona, declarou já saber que eu era de Peixes desde o início da conversa (apesar de ser virginiano, deixei passar). Mesmo com toda a presunção dela, peixes é bem diferente das minhas características.
Ela disse que conversara todo o tempo notando em como eu era pisciano e confuso. Sai do ônibus satisfeito pelo papo, encantado pela crença forte dela pelo zodíaco, mesmo não acreditando.
Ah! Esse povo convencido de que toda a vida de alguém é determinada pelo momento da concepção… geração de olhar ao céu procurando explicações para ações de agora. Mais importa o berço em cima das atitudes de um indivíduo, menospreza-se o interior pela crença no exterior.
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O carro treme. Não deveria, mas o modelo antigo e a falta de cuidado de Jonas fizeram-no ficar completamente perigoso. Dá-se a partida, todos já estamos prontos. De praxe, já estamos em nossos lugares praticamente pré-definidos. Sendo o dono,Jonas não confia em ninguém além de si (e Carol, após 1 ou 2 shots de Cuervo) para dirigir, ocupando, naturalmente, o banco do motorista. Por conhecer toda a São Paulo desde quase feto, fico no passageiro, direcionando o caminho para seja lá onde é o destino. Carol, minha companheira de quarto na república, (além de backup para motorista) divide o banco de trás com Vic e Nando, e, na maioria das vezes, decide qual será o programa da noite. Vic chama as outras pessoas, que regularmente comparecem aos encontros, mas o grupo dos 5 sempre está junto. Nando é o cara das bebidas, fumos e tudo mais, apesar de ter sido o último do grupo a fazer tudo aquilo. Hoje, vamos a um bar chamado Zeppelins. Pequeno, elegante pelo tema tão apreciado por todos nós, o Rock, permissivo com arguilés. Se tornou um destino frequente do grupo nos últimos tempos. Chegamos ansiosos pela noite, saindo do carro rapidamente, parte por ansiedade, parte por medo do veículo acabado. – Vocês são uns ingratos. Eu vou na casa de todo mundo, busco, dirijo, e vocês menosprezam o Larry. – Tem razão Jonas. Melhor a gente tratá-lo melhor, vai que resolve quebrar na volta…- Nando responde, quase como se estivesse aguardando algum comentário. As piadas continuam sendo feitas, um aquecimento para a noite. Permaneço quieto. Tenso com a faculdade e situações familiares, simplesmente fico olhando a interação, feliz por estar ali ao menos tentando me distrair. Todos sabem do meu estranhamento, mas tem noção do que deve ser feito. Olhando em volta , meus olhos vão ao encontro de um homem alto, com cabelo grande e grisalho, preso num coque, deixando uma imagem neutra. – Júlio! – E aí Zack! Como estamos? – Muito bem, viemos passar a noite por aqui. Muito movimento hoje? – Pequeno, mas vai crescer. Chamamos umas bandas pra tocar hoje, vai ser uma loucura… fica esperto em moleque! – Relaxa, vou ficar bem hoje! – Até parece. Bem, vou lá pegar uma cerveja, quer o de sempre? – Uhum, pode pedir pra trazer uma rodada normal enquanto não sentamos. – Então seria 1 Sobi com 1⁄3 Jack, 3 Corona com limão e o Blood? – Isso mesmo. Valeu, Júlio. Olho pro lado, notando nos acontecimentos simultâneos a essa conversa com meu velho conhecido. Nando já está em cima de uma garota aleatória; Vic e Jonas falam de literatura ou algo do tipo (posso jurar que ouvi o termo Kafkaniano) e Carol observa atentamente a mesa ao lado. Pode ser observado um grupo de 8 pessoas, todos homens. Todos tomam cerveja barata, do tipo que Júlio sempre tentou remover do cardápio de bebidas, mas a natureza do público varia muito, tornando assim impossível essa possibilidade. Há alguns litros ali, denunciando uma expectativa de noite longa e uma disposição clara para gastar dinheiro na maior quantia de álcool possível. Conheço aquele olhar. É o olhar de quem está muito interessada em algo. Qualquer um, de primeira, ao tentar decifrar esse momento, falaria de interesse sexual profundo dela por algum deles. Sua pupila está dilatada, seus lábios rosa secaram e sua respiração é quase manual de tão profunda. Quase acertaria neste palpite, exceto no tipo de interesse e o objeto de interesse. Vou até ela, seguro seu braço levemente e puxo seu olhar ao meu. Ela entendeu a mensagem. Dá um sorriso travesso, como criança aprontando escondido. O momento é atrapalhado quando alguém me empurra, fazendo assim eu cair em cima de minha amiga. Olho agitado para trás, pronto para começar uma confusão quando vejo Nando e a tal garota se agarrando. Ele olha pra mim em tom de desculpas, mas continua com a garota. Seus olhos castanhos são doces e calmos, parecidos com os de um surfista olhando uma boa onda. Desvio deles e sento com Jonas e Vic. Nesse momento, o garçom traz as bebidas, dá meu Crovral (nome dado por mim ao meu drink predileto) e as cervejas na minha frente, deixa a de Nando de lado e entrega o Blood para Carol, que se aloca ao meu lado. Dou um toque em Jonas: é o momento perfeito para o Anúbis. Vamos até o carro. No porta-malas pegamos uma mala preta velha, porém conservada. Junto por acaso, vejo minha velha câmera e pego-a, para alguma diversão. Entramos novamente no bar, e em nossa mesa é retirado o tampão do meio, revelando uma tomada, uma torneira e espaço vazio. Tiramos a peça da mala. Ele é grande, bate quase no meu peito. Seu vaso é totalmente preto, com detalhes talhados por relevo no formato de um dragão. O corpo é metálico, respiro de dado vermelho elegante. O rosh é de cerâmica, também preto, mas com linhas irregulares saindo do centro da cabeça. A mangueira é de veludo preto igual, porém, a pateira e o aveludado são igualmente brancos. Quando terminamos de montar, acender o carvão, preparar a essência e tudo, iniciamos a sessão. Não propositalmente, todo o bar para afim de ver a preparação do nosso Anúbis (apesar de este não ser o modelo, o nome simbólico ficou) uma obra de arte greco-egípcia ou árabe. Chamamos tanta atenção que, nesse momento, Júlio bota a primeira banda no palco, para aproveitar a união feita. É uma boa música, como de se esperar de uma escolha feita por alguém tão experiente quanto meu amigo. O show anima o público presente no Zeppelins e atrai ainda mais galeras. Após 3 horas de música (e 2 sessões perfeitas) acabam os shows e o panorama é de mistura total. Nando e Luana (seria esse o nome dela, aparentemente) vão para o carro e agora praticamente todos têm uma companhia amorosa. Praticamente, pois eu e Carol, apesar de juntos, não somos um casal. A situação muda quando, repentinamente,uma loira senta na minha frente. Pergunta da câmera em meu colo, e conta do curso de fotografia que está fazendo e… eu realmente não me importo. Mas sigo com a conversa, regularmente parando para olhar Carol (normalmente quando o clima fica propenso ao beijo; eu realmente não to com cabeça para isso). De súbito, perco meu álibi, pois ela sai andando. Sinto vontade de ir atrás dela, mas a garota segura minha nuca e pressiona sua boca em um beijo forte e caloroso. Infelizmente, sou fácil assim: foi dá-lo, entro no exato clima da noite. Ficamos quase 20 minutos nos beijando, quando ouço uma garrafa quebrando. O vidro se espalha por todo o chão, junto do líquido, mas o mais espantoso não é o objeto em si, mas o porquê da queda. Olho um pouco acima da (ex)garrafa e vejo Carol muito perto de um cara. Já vi isso tantas vezes que, sem ter notado nos acontecimentos anteriores, sei a cena completa. Primeiro ela saiu de perto de mim, que impediria-a de começar tudo. Chegou perto de um dos rapazes, obviamente interessado nela, e deu em cima dele. O oculto nessa interação é a razão de ela estar ali, mesma razão do interesse dela mais cedo naquele grupo: o dinheiro. Ela viu neles carteiras recheadas, celulares novos e chaves de carros caríssimos. Mas não, o dinheiro não é motivo para ela ficar com os caras, mas sim para furta-los. É comportamento natural dela uma aproximação com essa atividade, e os estaria acontecendo, se ela (por um descuido raro) ao tentar pegar a carteira da mesa, não tivesse derrubado a garrafa no chão, levando à tona todo o plano. O garoto agora estava vermelho, tanto pela vergonha que a atenção excessiva deu-lhe quanto pela raiva de estar sendo enganado. Por ironia do destino, Nando guardara o Anúbis, e estava com a chave do carro na mão entrando junto de Luana, quando reconhece a mesma cena que eu. Jonas e Vic imediatamente se encaminham para separar seja lá o que começava, mas já era tarde. O álcool mexera com a cabeça do homem e ela estava feita para espancar minha amiga. Vou rapidamente entre os dois. Entendo a raiva dele, porém, Carol é próxima e sempre fazemos a devolução de seus pequenos delitos, seja em bebida, seja na própria conta que, surpreendentemente, diminui. Não há sequer chance de diálogo. Olho em seu rosto, e há veias e artérias saltando deste e do seu pescoço. A mão fecha com força mas não velocidade, denunciando a lerdeza do álcool e a covardia do soco inglês que é intencionado. Empurro Carol para o lado e seguro o braço do homem, já dando o primeiro golpe em seu rosto. O segundo é na barriga. O terceiro sou eu que tomo, bem firme no rosto. Chega alguém e expulsa os envolvidos na briga do bar, e pelo toque das mãos sinto ser Júlio, pois ja não vejo nada. Sinto o efeito de todos os drinks de uma vez e sento-me no chão. Ao meu lado, algo embaçado parecido com algumas pessoas se sentam. São 4 fumaças não muito claras, 3 pequenas e 1 grande. Parecem uma massa homogênea que, de alguma forma, consigo distinguir. Não ouço nada, mas sinto a presença parecida com a dos meus amigos, e assumo ser essa a tal companhia. Após 30 minutos, a tontura diminui e fica somente a dor do soco, junto de uma garrafa pela metade de nome indecifrável e uma conversa profunda entre os membros daquele grupo. Pego a câmera, mas agora não é o momento. Jonas olha nosso estado e deixa as chaves com Júlio (que apesar de me expulsar do bar, entende o motivo) e vamos juntos andando para as nossas casas. Pela ordem, devo ser o primeiro, pois a República fica ao lado da ponte por onde passamos a caminho do Zeppelins. Ela é estaiada e escura à noite, porém, pelo tamanho do grupo não nos preocupamos com assaltantes. A lua está em seu ponto de descida, e a luz bate em meu rosto, me convidando a sentar no meio da avenida. E é isso que faço. Claro, sou taxado de louco nos 5 primeiros minutos. Depois disso, aos poucos ,todos sentam, e ficam observando o luar ao meu lado. O céu é claro com nuvens rápidas, como se fugissem de seu destino final, ao contrário da lua, imponente em seu lugar, abraçando seu fardo de dar espaço ao sol. Por sorte, nenhum carro passa, e depois de um bom tempo, levantamos e saímos andando. Ao chegar no portão de ferro enorme, eu e Carol nos despedimos de todos com beijos e abraços. Nos olhamos com cumplicidade. Se nossos colegas de quarto soubessem disso… Ela atravessa a porta, adentrando a casa. Silenciosos como dois criminosos, encaminhamos-nos ao banheiro. Sob a luz de um amanhecer que se inicia, nos olhamos, felizes pelas besteiras feitas, gratos pelas evitadas. Coloco a cabeça na pia, tomo três golpes d’água, e deixo a torneira aberta. Ela coloca cabeça, e, nesse momento, o sol sai com a maior vontade. Pego a câmera, focalizando aqueles lábios rosados, cansados de uma noite de fumaça e bebida, mas (assim como eu) prontos para outra aventura a partir do momento em que a água gelada toca a boca.
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Muito mais fácil ser arrogante quando há dedicação. Pode parecer óbvio, mas acostuma-se com a ignorância quando sua cabeça está parada, e é muito mais complexo aceitar a realidade quando existe movimento. Cuidado… quem estuda vê o problema mais claramente, e mais intensamente procura solução. Infelizmente, não é nem um pouco fácil achá-la. nesses momentos, as coisas mostrarão uma impossível solução. Mostrará que o mundo escrito, teórico é extremamente mais belo que o real. A questão é buscar o equilíbrio. Essa é a jornada de qualquer intelectual dedicado. Encontrar entre sua teoria e o mundo real um meio termo possível de ser aplicado.
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–Bom dia.- Diz o homem à secretária. Ela responde, com um calorosíssimo “bom dia”, indagando o porquê de tanta felicidade. Boa pergunta. “Deve ter sido a minha boa noite de sono”. Boa… acordou tantas vezes que não tem nem como chamar aquilo de sono. Pensou em tantas coisas que não há como falar que descansou. Mas claro, foi uma boa noite de sono. “Então tenha um bom dia!”, diz ela, fingindo que acredita em sua fala. Ok. Segue seu caminho à sua sala. Entrando lá, tenta ligar o computador. Falho, não consegue. Respira profundamente e pensa em outra coisa. pega seu bloco e ameaça escrever estratégias. Em sua cabeça, ele está longe… está numa praça. Não há em sua mão uma caderneta para táticas de marketing para maionese e condimentos, por mais que paressece muito interessante. Não, ele divulga uma revolução. Ele berra, tentando alcançar com sua voz todos que ali estão. Todos olham, como se saíssem de seus movimentos repetitivos. Escrever, devorar, dormir. Dirigir, lamber, pousar. Anotar, engolir, jazer. Ele pisca. Meio-dia. O computador ligou e não há sequer uma palavra em seu bloco. Acontece. Ele sai do escritório e vai com seus colegas ter um bom almoço. “E o Coringão?! Cara que jogo!” “A Katy nunca esteve tão gostosa…” “O iPhone 8 vai lançar logo logo, estou louco para ver” Ouve tudo aquilo com um falso sorriso e um olhar de desprezo. Vai ao banheiro, ao fim do almoço. Quer escovar os dentes, pois higiene é um dos únicos privilégios para cultivar sua individualidade. Pequena? Sim. Porém, completamente sua. No mundo no qual ele vive, ele não se sente mais do que um corpo numa grande colônia, seguindo as outras formiguinhas. Higiene, pensamento e livros são as únicas coisas que o fazem sentir fora dessa grande massa manipulada. Enxágua a boca com plax. Cospe, mas não só ele sai no ato, junto do líquido: sua boca. Ela cai ali, qual fosse um aparelho. Assusta-se. Pega, desesperadamente, tentando colocá-la em seu lugar. Que pena dele. Tenha calma, caro leitor. Você vai entender. Só espere. Ele não obtém exito. Para falar a verdade, algo mais curioso ainda acontece com nosso protagonista. O local onde supostamente deveria estar sua boca não existe. Não há “buraco”. Ele vai ao refeitório e tenta comunicar-se com seus amigos, que não notam absolutamente nada diferente nele, e falam “Venha! Vamos se atrasar!”. Ele fica perplexo. Como não veem? Coloca com cuidado seu órgão no bolso e vai. Na rua, anda e desanda, e ninguém dá a mínima ao pobre homem. Pisa no pé de um, mas não consegue pedir desculpas. Quando seu pé toca o bueiro, sente os ratos correndo. Talvez tenham se assustado com a anomalia de sua boca. Chega no seu escritório, passando pelo elevador. Aquela moça está ali. Olhos azuis, cabelo preto… ah! Sem dúvida daria umas chances para ela. Porém, sem boca para sequer pronunciar uma palavra, como beijaria? Ele não sabe o que fazer, então, faz uma tentativa de sorrir com os olhos, e não sabe se conseguiu, pois o sorriso recebido, talvez, em troca, pode ser tanto falso como verdadeiro. Nunca saberá. Ela desce a um andar dele. Por alguns segundos ele talvez conseguisse… Décimo terceiroandar. Chega na sua sala, pega um bloco de notas e uma caneta, vai a tentativa de comunicar-se com a secretária. – Você vê isso? – Mas, senhor, não vejo nada… cortou o cabelo?- Ele se irrita. Entra novamente no seu ambiente, isolando-se. Pisca novamente. 6h. O céu se põe lentamente na Paulista. Ele sai do escritório e vai de carro para casa. Pouco antes de deitar-se, tateia o bolso. Já havia esquecido, ela estava ali. Inutilmente, tenta pressioná-la contra o lugar onde deveria estar, mas desiste quando corta sua pele. Deita, fecha seus olhos e faz o tal dormir. 3h da manhã. Acorda. Olha para ambos lados. A insônia nunca passa… Vai a cozinha, enche um copo d’água, vai beber e se molha inteiro. Esqueceu da localização bizarra de sua boca; ele respira profundamente, finge que não tem sede e volta à cama. 5h da manhã. Ele continua chamando isso de sono. Ridículo… O leitor deve estar se perguntando algumas coisas: “por que a falta da boca?” “Como isso é possível?” “Por que ninguém nota?” “Tenho certeza que a 1a coisa que qualquer pessoa faria é procurar um médico; ou há um problema físico, ou mental!” Calma, relaxe. É a coisa mais normal do mundo ficar sem boca! O homem acorda. Abre os olhos, e desta vez são 9h. Mais algum minutos o fariam ficar atrasado, então, vai tomar seu banho. Toma um susto ao olhar o espelho. Ainda não acostumou-se com aquela aberração. Lembra-se da reunião que terá. Como participaria? Termina seu banho de água gelada para acordar, pega uma xícara, que não tomará, de café e entra em seu carro. Chegando no escritório, encaminha-se para a grande reunião do dia. Todos passam a falar. “As vendas de ketchup estão caindo…” “A geração Z não tem interesse em condimentos, temos de criar novas estratégias!” “Deveríamos investir nos bebês.” O homem, como sempre, tem idéias. Ah, como tem! Nunca consegue falá-las, porém, desta vez, ele levanta sua mão com convicção e faz jogos de mão, cabeça e corpo todo na tentativa de expressar alguma de suas opiniões, benéficas à empresa. O chefe olha, e clama: – Mas é claro! O senhor tem toda razão Porém, o homem se desaponta. Olha o planejamento rápido feito pelo chefe e vê exatamente o contrário do que quis dizer. Perplexo, atônito. “Como?! Eu nunca falei isso! O ano será perdido desse jeito! Ah, dane-se. Depois que arquem com isso. Vai cair em mim, mas eu não ligo. Nunca quis estar nessa merda de lugar mesmo.” Tenta novamente expor-se, dessa vez em outro tópico. Falho. A mesma coisa acontece. “Ninguém me entende”. Na verdade, entende. Mas tudo, menos o intencionado. O homem sai da reunião e vai à sua sala, pisca. Não está mais ali. Sente novamente sua boca, e está na mesma praça. Gritos e gritos. Mas dessa vez é rápido, pois ele pisca e está em seu carro. Chega em casa, deita e dorme. Agora, sequer tenta beber água, escovar os dentes. Escreve na prancheta. Devora um sanduíche. Dorme em sua cama. Dirige pela Paulista. Lambe o prato. Pousa em seu travesseiro. Anota numa planilha. Engole um pedaço. Jaz em seu leito. Um dia, o homem se olha no espelho. “Ora, até que fico bem desse jeito”. Dessa vez, chega no escritório, olha para a secretária. Há algo estranho, mas com ela, não ele. Ela dá bom dia, ele responde. Como responde?! Mas ele não tem boca! Espera, mas o que é boca?! Ele olha novamente a moça, e, no fundo dos seus olhos, não vê nada diferente. Pisca, olha um pouco abaixo. Onde está seu sorriso?
A modernidade é uniforme. Pessoas são iguais, seguindo modelos pré-definidos, como quem dá cntrl-c cntrl-v em um trabalho de escola. A originalidade está em seu leito mais profundo na atualidade, moribunda por gente diferente, gente pensante. Claro, é improvável que, pela originalidade, duas pessoas sejam iguais, mas, e parecidas? Pode ser até plausível. Mas, o cerne do problema é esse: acima de tudo. A modernidade ridiculamente copiada é burra. Um burro que vem da ignorância? Não. Um burro preguiçoso. Um burro sem o mínimo esforço em ir contra a corrente, indo junto de todos. Há quem diga que isso é algo interessante, desde que a corrente leve ao bem. Ora, isso é discutível, pois, deve-se confiar nos modismos? O bem não intencionado é melhor que um mal intencionado? Colocando a consciência como virtude maior, o maior pecado seria a ignorância. E essa é com certeza a virtude que melhor levará a humanidade para o caminho justo, trazendo um futuro próspero e inteligente.
Queima. Minha pele se contorce a cada fração de segundo pelo toque do sol. Poderia ser pior. Ele podia estar inteiro me tocando, mas essa grade o impede. Queria poder quebrar, rasgar, destruí-la. Pular para minha liberdade enfim, sem medo de perder tudo. Esse pensamento foi bobo. Afinal, que tudo, se justo isso me faz querer sair deste lugar? O silêncio é insuportável. Não o de fora, inexistente perante os gritos e exigências feitos pelo meu carcereiro, mas o de dentro, pertencente a uma alma cansada de se defender, pronta para tomar o necessário, ainda que seja entorpecente e doloroso. Me pego a admirar essa dor. Ela provém de algo mais antigo, antecedente à minha prisão, simbolizado por essa grade: o suicídio. “Como admirar o suicídio?” você deve estar se perguntando. É simples, na verdade. Ele criou essas grades. Claro, ela representa algo muito maior, mas… ele criou. A necessidade de manter prisioneiros (assim como eu) longe das janelas criou grades. Mantenho-me o mais longe possível delas para ficar longe da luz, no canto desse lugar. Olho para o céu de longe e desejo vê-lo escuro e vazio, como numa noite nublada. Seria o momento perfeito para deitar-me nesse chão frio e, pouco a pouco, morrer de dentro para fora. Faço o começo desse processo agora mesmo, encarando o teto sem graça, e tento lembrar dos bons momentos da minha vida. Minha tentativa é falha, e as únicas lembranças que me vem são das minhas costas vermelhas, machucadas pelo abuso de poder dos donos do meu cárcere. Em seguida, recordo momentos de negros de minha consciência, quando minha mente ficou tão barulhenta, e sinto falta disso. É menos desesperador pensar que o barulho dentro de mim impedia ouvir o externo que, mesmo com o silêncio da minha cabeça, o mundo parece mudo. Esse processo acaba em um segundo, quando ouço o grito (provavelmente repetido milhares de vezes): – Vem logo moleque, eu to mandando!
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