Meio louco

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Não me leve a mal, não me acho normal e tudo mais, mas ao olhar pra tudo eu vejo loucura generalizada- mas não loucura igual.
Uns lêem Marx, Engels, Mao Tsé e ficam loucos com o sistema. Eles esquecem tudo e resolvem lutar com todas suas forças contra ele. Ao 1º momento, é um ideal. No segundo, você sai à luta por ele. No terceiro, quebra um banco. No quarto, mata alguém. “Mas por que fazer isso?” “Eles são contra, só querem escravizar…”. O problema é que essa reação parece muito com outra.
Tem gente que trabalha 70% dos seus dias, sofre de gastrite (toma café pra ficar disposto pra trabalhar), câncer (relaxa fumando seu cigarrinho), insônia (logo, toma remédios pra dormir), depressão… e não recebe 60% do que deveria (sem contar o trabalho não pago). Ainda por cima, após tudo isso, clama por mais trabalho e critica quem luta contra. Não só crítica, mas pratica violência contra. Estão loucos de sistema.
Não me leve a mal, não sou a favor de um sistema como esse, que mata gente, sufoca vida e enlouquece de tantas maneiras… mas é realmente necessário cair nos extremos assim?
O mundo cria coisas tão diferentes, dá para não exagerar.
Tem gente que fica bem louco com tudo quanto é droga, tem gente que se tem química não chega perto.
Tem gente que nega deus e não aceita nada sequer próximo, e também outras que vivem de religião.
Há boas loucuras e más… porém não seria melhor um equilíbrio normal?
 

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Lembranças são antiguidades que valem a pena

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Peguei aquele álbum velho
Sentei em minha cama
Numa daquelas noites de se olhar ao espelho
Se perguntando quem agora me ama
Por que a vida assim está
Mas sem chorar, com momentos de reflexão
Aproveitando o momento com a melhor intensão

Porque, talvez, a beleza da vida
Esteja nesses bons momentos
Nos quais olhamos fotos
Lembrando da felicidade oferecida
Não em um jatinho ou cobertura
Amar e desamar
Mas sim no olhar para trás
Momentos com pessoas que não vem mais
E sorrir sem nosso passado relutar

Quem sabe a questão
Seja ver que o mundo sempre está eterno
Ou caindo aos pedaços
Devemos notar, então
Que o ser humano é subalterno
De um ciclo de choros e abraços
Tapas e amassos
E como é bonito ver como são
Os momentos de olhar a fotografia
Lembrando do amor infinito
Daquele momento
E em poucas palavras negocia
O que deveria ter sido e o que não

Na verdade, todos eram
E nenhum, pois
Se aconteceram, deviam
Se acabaram, já não mais
Se olho para a foto com saudades
É de um tempo longínquo e já impossível
Dando risadas de algo inadmissível
E na época fui incapaz
De rir como gargalhei agora
Vendo como tudo o passado explora

Peguei aquele velho álbum
Sentei na cama minha
Naqueles dias nos quais Dona Zinha
Diria que o povo lá fora ficaria bebum
Porque é difícil ver a vida com sua beleza
Mais fácil vê-la com asco e aspereza
À olhar pra tantas fotos de momentos finais
Com felicidade por estes e pelos inícios
Pelas metades e tudo mais

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Contemporaneidades- Pós modernismo

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Já não se morre de amor
Só cigarro, álcool e coca
Valoriza-se menos a overdose do que a dor
De viver sem determinada boca
Ai de mim nos tempos modernos
 
O charuto não é moda
E a todos que isso incomoda
Preserva-se o estilo, mas não a convenção
De acendê-lo para continuar a conversação
Ai de mim nos tempos modernos
 
A música sequer tem violino,
Tudo elétrico, eletrônico
Ouvi-la requer força, como num supino
Já que é tudo quase supersônico
Ai de mim nos tempos modernos
 
Saudade do mundo difícil
Tão simplificado
A nova geração é cheia de imbecil
Tudo de mal virá duplicado
Ai de mim nos tempos modernos

-R.C.

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Uma (rápida) história de amor dinâmico- As Crônicas de um Fotógrafo

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Conheci Maria num lugar diferente: em baixo de um poste.
A gente se trombou ali, deixamos as malas caírem e aconteceu, como se fossemos Eduardo e Mônica. Sem querer, trocamos algumas folhas (por acaso, importantíssimas pra minha prova em 1 semana), e em uma delas tinha o nome dela, e no momento em que percebi o sumiço de tudo, procurei-a imediatamente no Orkut (sim, ainda era assim naquela época).
Começamos a conversar um pouco; ela estava cursando engenharia, eu psicologia. Ela amava física, eu gostava mais de estudar o físico humano. Ela amava São Paulo e o Rio, eu queria era Dubai, Buenos Aires e Toronto. Eu chamei ela pro teatro, ela quis ver filme alugado (posteriormente seria um netflix, mas enfim).
Rápidamente nos tornamos amigos. Ela namorava um tal de Gabriel (gostava do cara mesmo) e eu tava caindo por ela. Digamos que eu não tinha ciúme, mas mesmo assim ela nunca dava muita bola… até o dia que eu chamei ela pra ir pro campinho tirar foto.
Nesse dia ela me viu de um jeito diferente. Como psicólogo, sempre amei estudar a mente através de expressões artísticas e me tornei um fotógrafo. Olhando para ela, tirando suas fotos… ela simplesmente me amou. Em cada flash, senti-me mais amado e mais importante. Em cada pose ela se deixava amar mais, se deixava mais aberta. Uma semana depois, Maria terminou com Gabriel.
Eu não acreditei quando me contou. Ela veio em minha casa, abriu a porta sem pedir pra entrar e chorou. Não porque tinha terminado um namoro de 2 anos, mas porque pensava mais em mim no que em Gabriel. Ela chorava enquanto pedia desculpas por confundir tudo e estragar nossa amizade, sem saber se tentava voltar para ele, mesmo não o amando.
Eu olhei para ela e disse que não havia porque se desculpar, pois o sentimento era recíproco e a relação podia crescer (e muito) com o tempo e profundidade.
Nesse dia, nos beijamos pela primeira vez.
Já estávamos terminando a faculdade, então logo começamos a morar junto- já nos conhecíamos a 1 ano e meio, mesmo o namoro sendo recente.

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Foto por Márcia Kaori

A gente saía sexta para o bar, sábado pro cinema, domingo em casa. Fomos pra Dubai, moramos 1 ano no Rio e voltamos pra Sampa. Visitávamos exposições, teatros e vimos todos os filmes do Netflix. Ela via todas as minhas fotos, eu tirava um monte dela. Eu atendia pessoas na rua de baixo, ela fazia projetos na sala de casa.
Passaram-se 3 anos após o início dessa rotina, e algo extraordinário aconteceu: uma casa foi construída na frente daquele poste e tiveram que derrubá-lo. Felizmente, o dono da casa não quis deixar o lugar escuro, e colocou um “lustre” velho para ajudar… peguei minha câmera anteontem, tirei uma foto dali e mostrei para Maria. Não contei que vou pedir ela ali, mas…
Será que ela aceita?

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Depois de tudo aquilo

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O que faço com as músicas
Aquelas que ouvíamos no mesmo fone
Durante beijos, jogo de cintura e sinuca
Devo esquecê-las ou as ouvir com qualquer clone?
 
O que faço com os poemas
Aqueles que te escrevi
Devo colocá-los acima de tantos problemas
Ou esquecer que já os vi?
 
Com os lugares visitados
Cheios de risadas e carinhos
Aqueles momentos sempre são ressucitados
Não importa se pego outros caminhos
 
Com os filmes
Meio vistos, meio não
Devo nunca mais vê-los então
Para não sentir qualquer ciúmes?
 
Tudo isso são memórias
Criadas por você e por mim
Antes nossas histórias
Agora só minhas ou suas
Simples assim
Antes centenas, agora uma ou duas
Vou livrar-me delas como posso
Álcool, cigarro, maconha ou coca
Faca, espigarda, bastão ou pistola
Porque o mundo meu costumava ser nosso
E nos meus sentimentos a poeira se estoca
Lembrando de ti minha vida se atola
 
É hora de esquecer da maneira possível
Violenta, silenciosa, privada ou dolorosa
Socialmente deslocado, odiado, imiscível
Lembrança que me mata, não me preza, a facada me lesa.

-R.C.

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Ordem!

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Olá, velho mundo
Aqui quem narra é o novo poeta
Com visão para todo o absurdo
E eliminá-lo é minha meta
 
A nova poesia segue nenhuma lei
Métrica ou obrigatoriedade
E a escrevo do jeito que sei
Sem escola, só a realidade
 
Não preciso de suas academias
Cartilhas ou aulas de literatura
Bandeira e Andrades me passaram manias
E as copio na cara dura
 
Faremos sua destruição
Do mundo que conhece hoje
E daí a criação
Da Anarquia como nunca se pode
 
E Proudhon se orgulharia
Bakunin brindaria a inconfidência
Autores míticos, não velharia
E sem liderança continuaremos a dissidência
 
Rasguemos o tal “contrato social”
Escrito pelo dinheiro,  medido pelo capital
A única Vontade ouvida agora
É a dos ricos irem embora
 
Sem mais exploração!
Agora, a sociedade inacreditável
O mundo novo para admiração,
Para mais novos poetas, almejável
 
Seja realista!
Demande o impossível
Utopia é mal vista
E nunca crível
 
Mas é só abrir os olhos
O novo poeta já surgiu
Um mundo assim é incrível
Verdadeiro e chegará
Esperem olhando seus relógios

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As cidades nunca dormem

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A sinfonia das luzes
Mantém-me acordado a olhar o mundo
Não sei quem é o maestro-mudo
E não creio ser o pendurado nas cruzes
Só cego-me com sua beleza
Alegre as olhando com firmeza
 
Essas noites de poesia
Arguile, álcool, enfim, boemia
Remetem-me ao antigo e ao novo
 
Lembram-me da fumaça subindo
Meus batimentos a sumir
A vida só se esvaindo
Quando eu deitava pra dormir
 
Comparam o calor interessante
Sentido por mim nesse instante
Ao carvão ardente
Trazido de novo a minha mente
 
Agora olho Paulista afora
Doendo-me todo com o simples agora
Que recebo penetrado pelo luar
 
A sincronia das luzes
Tira-me a energia num piscar monótono
Eletricamente, mas falhando às vezes
Sei que essa bobagem já não tem dono
Fecho meus olhos, já sem paciência
Irritado as privo, afinal, da minha humilde audiência
 
A madrugada de pesadelo
Sem sono, olhando o vazio
Me encolho todo, sentindo o frio
 
O clima está agradável
Mas o gelo domina a alma
É só lembrança impecável
Do momento em que me rendi à calma
 
Momentos inexplicáveis, estranhos
Repensados em conversas e banhos
Só mais um reflexo do mundo normal
Chato e cinzento, enfim, sem sal
 
Continuo nele, estranhamente
Vivendo no mesmo contingente
Em que parei anos atrás
 
A sintonia das luzes
Mata minha esperança num ligar igual
Não me satisfazem, por diversas teses
Odeio viver nesse mundo real
Revejo o passado, mas ele não volta
O parapeito me sente, e da parede se solta


-R.C.

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Desenhos- As Crônicas de um Fotógrafo

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Coração tão difícil
A gente não entende muito bem…
Se até no desenho tem a dúvida
A resposta pode estar com quem?
Pra vocês é igual
Sentimento ou chama
Passa um monte, e no geral
É o 5º amor da sua vida nessa semana
Para que esse desespero
É medo de ficar só?
Deve estar já costumeiro
Enjoar quando começa a pegar pó
Sentimentos não entendo
Nem os meus ou de qualquer
Deixo o mundo continuar assim
Amo e desamo como der

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Nosso boteco

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Mais um gole
Por favor
Dá sua prole
A este senhor
Não me enrole
Deixe eu me expor
 
Essa paixão, já muito antiga
É de todas a mais querida
De todas as amadas
Só esta a verdadeira
 
Neste balcão lhe imploro
Por uma chance mais
Sentimentos já não ignoro
Poderão ser meu capataz
 
Tua resposta é o mais importante
Tira-me dessa prisão
E, daqui, não há nada mais irritante
 
Fico imóvel, incapaz
Neste velho amor que tenho
Serve-me tal como alcatraz
 
Não se isole
Com esta dor
Meu peito está mole
Vermelha cor
Não se desole
Se eu me for
 
Parece que as coisas
Não são fáceis como antigamente
Me enganas e tudo tiras
Quero ficar inconsiente
 

-R.C.

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Boas vivências

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Boas vivências

Toma outra dose, mandando tudo para dentro de si. Desce queimando, claro, mas o incômodo é outro. A sensação ali é extremamente familiar, quase monótona, pois é a experiência de sempre, independente do lugar onde está: achar o pequeno bar da região, ouvir a conversa dos bêbados locais e tornar-se um dos ébrios.

Eles discutem as novidades alto o suficiente para ele não ter de olhar disfarçado ou sequer fazer esforço. “Cê viu esses sumiço?” “Vi sim, mas era só estrangeiro, então menos mal” “Que será que acontece?!” “Num sei… já faiz muito tempo que acontece esse tipo de coisa” “Meu patrão, desce mais uma pra nóis!”

“Cidade praiana e pequena, não há muito o que se preocupar” pensa Aureliano. “Os viajantes devem encher o saco daqui e vazar.”

O bar é extremamente pequeno. Quatro mesas de plástico Skol, um balcão médio, com a capacidade para abrigar (talvez) 8 pessoas. A vista faz valer a pena, de frente para o pier. Pessoas passam na frente do estabelecimento e ignoram a presença deste, em parte pelo desconforto com tal nível do lugar, em parte pela estonteante beleza das águas.

Olha um pouco além e vê dois barcos navegando próximos. Não entende nada de navegação, mas aquilo é próximo demais para o porte dos veículos marinhos. Ele não consegue notar o fio vermelho descendo de um dos barcos ou que há conversa entre os capitães. Segue a linha provável do caminho com os olhos e resulta em um passeio de barco de uma hora e meia.

Não há detalhes do caminho (e de nada adiantaria, afinal, não conhece os mares dali), mas somente os horários: 13h, 15h, 17h e 19h. Olha seu relógio de bolso, e nele consta 16 horas e 39 minutos. Decide pegar o passeio das 17, mesmo levemente alcoolizado, nada mal seria um pouco de mar. Quando vai colocar o relógio em seu lugar, se pega olhando a ele.

Prateado nas bordas e aberto no meio, de tal forma a tornar visível toda a estrutura interna do dispositivo (aparentemente), protegida por uma camada de vidro. Guarda-o por diversos motivos. Era de seu avô, veterano de guerra, que apesar de nunca ter saído de casa com uma arma de fogo sequer, não ia nem à cozinha sem o tal objeto. Com um girar específico no marcador de tempo (como um cronômetro antigo), o relógio liberava clorofórmio em gás. Por isso ele era mais fundo que o necessário e extremamente pesado. Não poderia deixar acontecer algum acidente e o dono do relógio de bolso morrer.

Além disso, a tecnologia é o asco de Aureliano, e ninguém ousa contrariar seu nojo. Mas o questionamento de todos (incluindo ele próprio) sempre caiu no fato de ele não estar onde está. Ele está fisicamente no bar, mas ao invés de prestar atenção na própria bebida, presta na conversa atrás, e não em seu petisco, no lindo mar ou o próprio céu. Normalmente, culpa-se os tais smartphones por remover o humano de sua esfera, como explicava-se a condição do garoto? Não se explicava, pois com 20 anos, indo para os 4 cantos do mundo (com vida simples pras possibilidades tidas) ele ainda não vivia. Portanto, sem celular ou tablet para olhar as horas, recorria ao clássico relógio de bolso.

Leva consigo, além do relógio, uma faca, a carteira e as chaves da motocicleta. Tudo embalado em sacos impermeáveis- organização sempre será a maior atenção deste.

Olha para o dono do bar e pergunta a conta. Ouve o valor e não se questiona se ele é ou não absurdo para algumas doses de vodka barata daquele jeito; não por confiar na natureza do vendedor, mas por não lhe fazer falta 20 reais, ao passo que com eles, o dono poderia colocar a droga de uma mesa a mais.

Atravessa a rua cheia de areia, não permitindo-o checar se ela tem ou não asfaltamento. A moto ficou estacionada ao lado do bar, e pela pseudo-gorjeta dada, o dono do bar não deixaria ela ser roubada. Ao menos é assim que Aureliano pensa, e certo está. Para na calçada do meio da rua (usado para dividir vagas de carro de vias) e se apóia em um poste. Sente uma tontura forte batendo, e decide deixar o passeio para as 19 horas, afinal, seria o último do dia, possivelmente mais cheio de gente da sua idade e interessante.

Vai até o suposto porto do navio e pergunta para a mulher se poderia comprar lugar para o das 19. Ela o mede, de cima a baixo procurando traços de policial, mas Aureliano é relativamente magro, de chinelos, regata e olhar perdido de quem já não tem fé. Ela permite a compra, e ele supõe estar sendo observado para merecimento de ir no passeio. Coitado.

Compra o seu ingresso e é advertido a estar 19h naquele ponto, pois só então entrariam no barco, e 10 minutos depois iriam. A segunda suposição é de que a mulher, na verdade, estava flertando com ele. Coitado. Morena dos olhos castanhos, cabelo longo e olhar de desprezo, ele logo refutou sua idéia. Despede-se e promete chegar no horário, não perderia o passeio por nada.

Encaminha-se para a moto e olha novamente o horário. Já que seu hotel é na rua de cima, teria duas horas para melhorar sua cabeça e estar pronto para o passeio. Na verdade, o fazia mais pelo esforço de viver a vida de alguém que não ele- o último desejo de seus pais fora direcionado a ele viver a vida do melhor jeito, e a herança o permitiria fazê-lo.

Quando tira os olhos do relógio, vê uma moto vindo em sua direção, e diminui conforme chega mais próximo dele. O passageiro, sem capacete e munido de uma peixeira, coloca-a na barriga do ébrio e o manda passar o celular. Num meio reflexo dado por sua longa experiência em artes marciais, ele dá um leve tapa na faca, fazendo-a sair da linha de seu corpo, e com o cotovelo a derruba. Dá um soco no passageiro e empurra o motorista da moto, o derrubando e fazendo o veículo cair para o lado dos meliantes. Desesperados, abandonam o local rapidamente, sem sequer olhar para o rosto da possível vítima. Mesmo com reflexo reduzido, Aureliano ainda era extremamente habilidoso.

Com sua moto em mãos, faz uma curva para ir ao hotel, passando pela avenida da praia. Sempre olhando para frente e procurando a rua para entrar, perde toda a beleza do mar meio verde e meio azul, cheio de pequenas quebras brancas espumosas, fazendo um deliberado convite para dar um mergulho. Mas ele entra na 3a rua. Sobe ao quarto rapidamente e apaga no encostar da cabeça no travesseiro.


Abre os olhos numa calma absurda. O sol leve ainda bate, tornando o quarto morno sonolência, e não quente insônia. Pega o relógio do avô para ver o horário e se desespera: são 19h. Enfia os chinelos no pé e dirige com velocidade até o cais, voando até o lugar de encontro. Chega em 3 minutos, com o peito explodindo e visão turva do desespero.

Recebe olhares tortos da mulher e do capitão. Dá o ingresso à mulher meio trêmulo, característica advinda da explosão até o lugar. Ela recebe meio impaciente, mas ele não nota nem isso ou o leve corte na mão dela, não tão profundo, mas notável, muito menos a leve mancha vermelha no convés no qual pisaria em poucos segundos.

O barco é bem cuidado mas velho. Aureliano olha para a estibordo, à sua direita, e vê a figura contraditória  (em sua mente) de um pirata. Questiona o sentido de um símbolo da ilegalidade nas navegações para um serviço aprovado pelo governo.

Se o governo aprova ou não… é complexo. Talvez apoiasse os passeios, afinal, movimentavam a economia regional, davam um ar mais interessante à cidade. Mas a verdade é que não apoiaria caso soubesse de tudo. No fim, faz completo sentido o pirata no mastro.

Olha para os lugares disponíveis e escolhe o mais próximo da bóia; não é medroso, mas prevenido. O aviso de segurança é dado e, como nos aviões, ignorado por todos a bordo. As caipirinhas chamam a atenção de quase todos.

São aproximadamente 20 pessoas ali. Ouvindo as conversas, nota o padrão social dali: viajantes ricos e jovens. Sua mãe não ficaria mais orgulhosa, pois apesar de não está se misturando, estar ali é esforço suficiente.

A caipirinha de limão é tudo o que importa para ele. Coloca cada vez mais para dentro, sem notar a distância tomada da costa, o mar agitado e o céu preto. Todos já se organizam para o ataque em uns 30 minutos.

Aureliano começa a chorar. Não entende o motivo, não se pergunta também, acostumado a levar o mundo como ele é, simples ou complexo. Numa das muitas doses, que fizeram sua imagem para a tripulação bem frágil, ele tem um delírio.

– Em seu pseudo-sonho, Aureliano se vê numa das muitas das discussões com seu pai.Eu não quero pai. Não sirvo pra Medicina.

– Tudo bem. Direito então.

– Também não.

– Engenharia? Arquitetura? Contabilidade? Letras? Moda?

– Não pai, não! Para de enfiar faculdade pra minha goela.

– Não vou Aureliano. Mas você tem que achar algo para fazer. Você não pode passar o resto dos seus dias olhando para o teto de casa.

– Mas pai…

– Aureliano, já tem muito tempo que eu devia ter te falado isso. Mas filho, é o seguinte. O mundo funciona como uma noite gelada. Mais do que você conhece, de um jeito só possível pra cima do Canadá. Naquelas noites, temos poucas possibilidades.

“É mandatório acender a lareira. O fogo revitaliza tudo, e ai começa a vida de fato.

“Você vai olhar pela janela e ver neve. Branca e atraente, com os raios de luz da lua iluminando a trilha. As árvores resistirão aquela temperatura e melhor paisagem não haverá. A escolha será óbvia: ir até lá.

“Mas a cada passo que você der, sentirá seu suor congelando. O conforto do fogo pela falta de calor acaba, e você é largado a própria sorte. O questionamento é: voltar ao fogo ou sair ao frio?

“O problema não é um ou o outro, mas ficar no meio. Você não está no conforto ou na beleza, mas no terror da dúvida. O problema, Aureliano, é que você não sequer duvida. Em suma, você não vive. E está na hora de começar a viver.”

Não sabe quanto tempo passou naquela brisa, mas ao sair dela se determina a cumprir o conselho do pai. Só estar ali não bastava, quer viver. E que oportunidade de demonstrar essa ânsia, não?

Pois nesse momento começam os gritos no deck de cima. Aureliano olha a frente uma porta e se joga contra ela, afinal, não havia ninguém olhando ou naquele lugar. Sua respiração acelera, o peito bate mais forte: é a adrenalina.

No andar de cima, os marinheiros revelam sua verdadeira cara. Na verdade, forjam os passeios como forma de atrai vítimas para morte e roubo, como se fosse um conglomerado de psicopatas. E faziam agora o seu prazer, deixando sangue escorrer pelas bordas do navio (como o fio vermelho no casco), assustando Aureliano.

A tripulação é de cinco. Um veleja, os outros matam. Os gritos de cima pararam e a chuva ameaça, sem molhar, mas trovejando. Ele espera a passagem dos marinheiros e corre para o capitão, que, ao invés de gritar, tenta eliminá-lo sozinho.

Mas ele não conta com a faca de Aureliano. De primeira, o capitão morre, e o homem deixa o timão travado, para evitar maiores problemas. Escurece devagar e o clorofórmio passa a ser valioso.

O relógio é furado e atacado de cima para baixo, e quando segura, um psico morre inalando. Uma mulher inocente se joga ao mar, tentando fugir inutilmente, pois acaba morrendo, e os outros três vão em cima dele.

Assim, todo molhado de sangue que escorria, com duas mortes nas costas, vai Aureliano defender sua vida recém conquistada.

Um por um, com facadas, socos e empurrões para fora da embarcação, Aureliano mata todos. Não sorri. Não chora. Apenas olha ao alto e ouve o trovão final antes de cair a chuva.

Ela cai com força. Uma das maiores da época. O navio transborda, mas tudo o que sai dele não é água, mas sim correntes de sangue. Aureliano olha para cima, ciente de seus atos, mas feliz por estar sentindo o banho de alma que está sendo aquela chuva

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