Adão corre. Sai correndo pelo
corredor extenso e frio da saída do avião. Somente com uma mochila levemente
preenchida e uma garrafa d’água nas mãos, não podia ser mais econômico quanto a
espaço e bagagem. Muita gente olha. Quem sabe julgando-o por marcar escalas tão
próximas, quem sabe só observando. Ele tem pressa. Muita pressa.
Saindo do portão A1, ele olha para
os lados e busca uma tela para ver o voo com destino à Bagdá. Os olhos passam
rápido pela tela e finalmente, encontra-D1. Coincidência? Talvez. Mas, se
tratando do aeroporto de Dalas, um dos maiores do mundo, tudo é possível. Ele é
preenchido pela sensação de ansiedade, como se fosse a madrugada antes de um
passeio de escola.
Caminhando com velocidade, seus
olhos passam pelos olhos estranhos, buscando familiaridade em cores,
sentimentos, letras e números. Tantos olhos. Sem nome e sem personalidade,
barro a ser moldado no momento no qual ele faria uma pergunta. Mas nada. Não
que ele esperasse encontrar algo ali, mas a ansiedade não o deixava pensar
normalmente, racionalmente. Era como se fosse controlado por algo, mesmo que
fosse dono de suas ações.
Depois de muitos olhos, corpos, três
letras e uma quantidade impressionante de números, chega no bendito portão. D1.
O avião havia acabado de chegar, pela quantidade de movimento entre os
comissários de bordo e passageiros. Ele vê um banheiro a poucos passos, então
resolve ir até lá, molhar o rosto, retocar o desodorante, escovar os dentes e
etc.
Olhando-se no espelho, a euforia o
fez ver cores nunca antes percebidas em seu próprio rosto. Sua pele tinha tons
não lembrados- era como olhar-se pela primeira vez seu reflexo. Após 12 horas
de voo até ali, era inacreditável como parecia que tudo tinha começado
exatamente ali.
Saindo do banheiro, escaneia
novamente os olhos do ambiente. Dessa vez, ele encontra.
Era Lilian, uma antiga paixão de
adolescente e recém-adulto. Quanto tempo havia passado desde que se viam!
Imediatamente ela avista ele também, e dão um abraço. Aquele cheiro era impressionantemente
nostálgico, como bolo de chuva. Remetia a uma maciez, uma inocência,
persistência tão distantes, mas extremamente recentes. Para Adão, era quase
como fosse seu primeiro amor, novamente.
Eles conversam; ela sobre seu tempo
em Bagdá, sobre todas belezas, as pesquisas, o seu envolvimento com a política
internacional, guerras intelectuais- e destoa por 4 minutos ininterruptos. Ele
só ouve-a discursar, atento ao dito, mas com olhares para os trejeitos. A boca
articuladíssima, a imposição que tinha tanto pelos gestos quanto pela escolha
das palavras, o olhar duro (parecia relembrar enquanto falava, como se, mesmo
olhando nos olhos de Adão, visse algo a mais; a guerra, as crianças pelas quais
lutava, as irmãs tiradas de situação abusiva, a quantidade enorme de homens
reprovando-a por ser ‘forte demais’), a tensão carregada nos ombros.
Terminando o discurso, eles caminham
até o café mais próximo dali- o voo dela seria em 1 hora, então ela não tem
pressa como disse. A conversa desenvolve para campos mais nostálgicos; de
repente, lembravam aos poucos do namoro, curto, mas relevantíssimo, altamente
influente apesar de aparentar só um caso de poucos meses- afinal,
relacionamentos devem ser grandes (ou eternos). O passado fica para trás, mas
não deixa de influenciar o presente. Sem mais delongas, ao perceber que ela não
tem compromisso algum, Adão toma o primeiro passo e a beija.
O resto não é relevante para o
detalhe, apesar de já passar na mente do leitor. Após muitos beijos, conversa,
ela entra no avião e voa de volta para casa, longe dali e longe da casa de
Adão. O pequeno caso do passado desenrolou em um pequeno caso no presente, e
vira pretérito novamente. E tudo bem.
Pouco depois de ela ir embora, Adão
recebe uma ligação. É Luís. Ele atende e já houve questionamentos de todos os
tipos, mas focados no fato de ele ter sumido, do nada, e ficado 12 horas
desaparecido. Não há resposta do porquê, mas afirma que já está voltando.
“Você
viajou pra onde dessa vez?”
“Dalas.”
“Ela sabe que já aconteceu algumas vezes?”
“Não. E nem precisa. Essa é a última vez.”
“Ave… após dez anos? Você contou a ela dos teus filhos? Da esposa?”
“Não. Só queria vê-la entre meu voo de ida e de volta.”
“E como você sabia? Arriscou?”
“Eu nunca arrisco. Foi só uma transição.”
“O que falo?”
“Que tive uma emergência. Não é como se ela tivesse opção.”