Tribos urbanizadas – As Crônicas de um Fotógrafo

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Desenho por Gabriel Rocha

Tradicional.
Quem sabe lenda
Assim pareça ficcional
Mas não espero que entenda
Poucos daqui valorizando o oriental
Se é tribal
E do ocidente,
Nem tente.
Após processo “civilizacional”
Chega-se a barbárie
Pagar o dízimo é praxe
Dizimar povos normal
Chamaria assassinato em série
Se fizessem parte
Do seu corpo social.
Mesmo que você amasse
Tentando apagar o passado real
A cultura resiste
É como se um cacique gritasse
Lutando pelo verdadeiro tradicional.

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Canto preenchido

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E dormiu com lápis na mão
O menino que queria ser poeta
Mas em seus cadernos,
Folhas, comunicados escolares,
Outros livros ou na própria mesa
Desejava passar a escrever poesia
Ao invés da lírica realidade vivida.
Dormiu com lápis na mão
Na esperança de nos sonhos ser enfim um poeta,
E não mais só menino.

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Da cidade sobre as serras

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Na cidade pequena
O caminho dos pais é o destino dos filhos
A prole não contracena
Só assume paulatinamente os trilhos
Já na cidade grande
O caminho dos pais muda o destino dos próximos
Porém a opção se expande
A definição vem com os anos
É meu cemitério de vidas
De mim tiradas
Melhor dizendo, arrancadas
Como posso enterrar mais uma vez
Uma que continua sem mim?
Não há como evitar o luto
Pois luto para convencer-me
A deixar ir o morto
E planejar o novo com alegria
Mas não deixo de ver uma sangria
De relações humanas não-frias
Na verdade muito realistas e calorosas
Não são muitas listas,
Mas ali são amorosas
Pois bem,
Mais amores vou jogar ao além
Desta vez de amigo, eros, não importa quem.
Minhas escolhas agora importam
Mas meu psicológico cheio de emoções
Não se suportam.
Não sou de cidade pequena
Pouco importa meus pais no meu futuro
Sou protagonista desta cena
Da humanidade grito, não sussuro
Nasci na cidade grande
E o jeito dos meus pais, sigo por confiança
O medo do que vem muito arde
Mas é liberdade sem fiança.

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Despedida

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Vem cá, meu amor
Diz pra mim o que não devias
Por antes ser proibido
Agora já não mais
Conta pra mim teus segredos
De hoje e daquela época
Como você sentia aqueles abraços
Como tu sentias naquelas tardes frias e calorosas
Me explica tua cabeça
Naquela chuva que tomamos nós
Quase desnudos, com inocência
Uma alma prometida e outra talvez presa
Faz o que não devia
Mas o que eu preciso
Me beija agora,
Antes da minha partida
São os últimos momentos
A gente se entende depois
Tudo o que temos
É agora para saber
Por favor, me beija, me mata
Para eu saber se beijo
Ou morro
Ou vou sem beijar
E sem morrer
E sem você.

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Amor e poema

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Na vida e nos amores, tudo vale
Sejam sorrisos ou dores, mas na pele
Pois se não tem romance
Vira poema
Se é só um lance
E não há dilema
Uma história bem contada
Pode ser comum indolor
Ou crônico sofrimento incolor
Sem cicatriz, dor ou nada
Só a expectativa de melhora
Ontem, amanhã ou agora
Volto a repetir…
Na vida e no amor, vale tudo
Se vier drama demais
Posso me usar de escudo
Ou entrar e viver na paz
Se não vira teatro
Vira poema
Se não poema
Espetáculo.

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Amor além da matéria – sobre "Ela", Spike Jonze (2013)

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Mais que sobre a realidade versus artificialidade- trama bem explorada nas distopias modernas e, mais especificamente, pelo Black Mirror- o filme “Ela” (Spike Jonze, 2013) se trata de como nos relacionamos da mesma maneira em todos os campos da vida. Também é sobre um amor diferente do visto nos livros e poemas; um amor real e introspectivo, provindo de uma jornada de redescoberta de si.

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A fotografia de “Ela” há de se destacar; além da maneira tocante dos personagens de se relacionar, a movimentação, focalização e enquadramento do filme dão a ele outra dimensão.

O filme começa (genialmente) numa cena que viraria cotidiana no longa-metragem: Theodore (o personagem principal muito bem interpretado por Joaquin Phoenix) redigindo uma carta pra lá de tocante. O filme quebra as expectativas mostrando que esta é para alguém não relacionada ao protagonista, mas cliente da empresa na qual trabalha.
O envolvimento de Theo com a inteligência artificial ‘Samantha’ se dá de uma maneira controversa, mas natural (com a voz emblemática de Scarlett Johansson). Sem a possibilidade de materializar-se, pela falta de um corpo, Samantha se faz presente na vida do protagonista mesmo como um “computador”. Firmando-se como uma par-romântico, com sentimentos e pensamentos extremamente humanos se torna querida do espectador, além de uma verdadeira agente na vida de Theo.
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Theo se assemelha muito, na minha visão, à Paulo Leminski, grande poeta brasileiro. Ambos escritores, sensíveis e… com um notável bigode! (Acima, Joaquin Phoenix como Theodore. Abaixo, Paulo Leminski).

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“Acaso é este encontro / entre o tempo e o espaço / mais do que um sonho que eu conto / ou mais um poema que eu faço?” – Paulo Leminski,

 
A relação do protagonista com 3 mulheres principalmente faz a pergunta “a quem se refere o título ‘Ela’ se refere?” pode surgir, mas é só assistindo essa obra-prima do Cinema para chegar a conclusão: seria Samantha, a ex-mulher Catherine ou a melhor amiga Amy?
Fica mais que recomendado o filme “Ela” de Spike Jonze.
 
 

Ponto parêntesis Léo: conteúdos inspiradores e complementos

Antes de escrever essa resenha, dois vídeos me inspiraram a ver “Ela” e com toda certeza influenciaram minha maneira de assistir o filme (e creio que muito para o lado bom), por isso deixo aqui dois vídeos: um do Quadro em Branco, um canal do Youtube sensacional que trata de assuntos culturais-filosóficos-sociológicos de maneira sensacional (sou seguidor fiel do canal) e outro do Gustavo Cruz, um canal que conheci agora, mas com a produção interessantíssima. Fica a dica!

(Este vídeo trata mais da dimensão amorosa nos dias atuais, muito presente na discussão do longa, não se retrata diretamente ao filme em si.)

(Este traça paralelos entre “Ela” e “Lost in Translation”. Trás o background de criação do longa em questão, por isso tão precioso!)

 

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Vamos tomar um café?

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Me sinto meio satânico
Por evocar um espírito
Um velho, comigo cínico
Num corpo de novo hábito
Mas convenhamos que uma convenção
Veio comigo de tantas aventuras
Depois de tudo, sorrisos e suturas
Vejo um erro do passado que necessita curas
Só te peço isso:
Um café, sorvete
Chocolate ou leite
Para tentar resolver
O que o tempo me deu de solução
E agora coloco-a em ação.

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Transporte privado

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O trem de ouvido
Que sem ser chamado
Sem medo de ser inxirido
Se mete em tudo
Cem em cem usam de escudo
Deixam o externo mudo
Parece até absurdo;
Um monte de surdo
Voluntário pra largar o mundo
Não sei se surto
Parece tudo morto
Bando de quieto
Mas dentro tá inquieto
Não me meto:
Se sai porque tem medo
Não me intrometo
Só acho meio cedo
Pra humanidade largar o credo
No outro
Pra ficar ali alheio
Com tantos no meio
Tudo solto
Dentro de um trem
Com o trem de ouvido
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Pessoas e seus sons

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Quando tudo que se precisa é de si
Qualquer lugar é bom
A companhia só pode acrescentar ou nem importar
E educação é tudo que se espera
Quando a paz está contigo
Não há fuzuê que te tire do sério
Barulho que se atinja sua consiência
Substância que o faça ter
A solidão é um presente as vezes
O zunido um silenciador
A multidão vira falsa companhia
E o silêncio nunca é matador.

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Brahma e Deus – As Crônicas de um Fotógrafo

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Procurando aventurar-se fora de terras já bem conhecidas por ele Rimor sai pega um avião para uma ilha.

Tendo em mente sua idade (de espírito e cronológica) não é difícil entender o porquê da sua mala estar tão vazia; nela, levava consigo um bloco de papel A5, um estojo com lapiseiras de desenho, sua máquina fotográfica, 3 shorts floridos, uma calça jeans- já muito gasta, rasgada pelo tempo e não pelo modismo-, 5 camisetas claras, uma camisa xadrez, seu único par de tênis, duas garrafas de whisky (compradas com o que sobrou após pagar as contas) e uma mochila de mão. A viagem teria 2 semanas.

Rimor foi para o aeroporto de Uber com sua maletinha e mochila. O motorista perguntou o destino da viagem e foi respondido cordialmente com um: uma ilha. Tentou novamente uma pergunta mais simples; está ansioso? Até que estou. O passageiro não queria conversa.

Felizmente ou infelizmente, sempre fora assim. Rimor preferia ficar sós com seus pensamentos a compartilhá-los ou ganhar conhecimento sobre os dos outros. Na época do ginásio e do colegial deixava os mais exaltados discutirem ou darem as respostas enquanto ele discretamente colocava um fone de ouvido e fazia o trabalho sozinho. Quando indagado sobre os fones de ouvido ou a tarefa pelo professor, só mostrava as páginas feitas e dizia esperar a correção. Sobre os fones, se concentrava melhor com o ruído mais uniforme da música (seja ela eletrônica ou orquestral) do que com o barulho aleatório da sala de aula ou do fuzuê quando as respostas estavam sendo dadas ao professor. No final, todo professor acreditava na história e o deixava continuar naquele estado- mesmo sabendo que era uma meia verdade.

Rimor era muito mais rápido para fazer exercícios do que o aparente. Isto é, terminava os seus em um quarto do tempo da classe (e consequentemente da correção e de toda a cadeia de acontecimentos descrita pelo aluno). O que fazia com o tempo restante?

Bem, as coisas mudavam bastante. No ginásio, ele desenhava. Não como qualquer um que rabisca nas últimas folhas do caderno e arranca depois, alguém que faz objetos obscenos ou qualquer molecagem na mesa ou sequer cópias de coisas vindas de livros. Rimor desenhava cenas, cenários, objetos e pessoas vistas por ele. Se o professor parava em um ponto fixo e a “pose” era apreciada, seria indiscutivelmente desenhada rápidamente- e mesmo após o adulto mudar, ele continuaria a desenhar como se ainda estivesse ali. Se levasse um achocolatado com embalagem diferenciada, seu bloco de folhas seria movimentado para ter mais um objeto no catálogo (até depois de jogar fora o lixo, ele ainda dava os detalhes finais). Quando a menina bonita da sala ia apontar o lápis no lixo e passava na frente da sala, Rimor estava com o seu bloco registrando a passagem com efeitos perfeitos de movimento- depois de ela voltar ao seu lugar, ele desenhava a cena já acabada. Memória fotográfica? Talvez. Mas nada de criatividade. Se não visse, não desenhava.

No ginásio, ele descobriu o poder da câmera. Após ter contato com uma de seu pai, comprou uma com o dinheiro de 3 meses de lanche. Todos os micro-detalhes não feitos por ele nos desenhos poderiam ser registrados com aquilo. Tornou-se um mestre incomparável em ambas artes- a de desenhar e fotografar. Com tanto dom e treino artístico, não era muito bom com pessoas. Claro que tinha seus amigos e amigas, mas eram poucos e fieis, todos cientes de suas “limitações”, e nenhum nunca conversou com ele durante as aulas.

O que nos leva novamente ao Uber, ignorado, a levar Rimor para o aeroporto.

Chegando lá, o motorista recebeu nota 5 de Rimor, mesmo tentado conversar, pois este sabia como era. Despachou sua mala e entrou no avião muito rápido. Não tem medo de avião, mas fica apreensivo em veículos de alta velocidade como trem, avião e etc. A aeronave decolou de Faltário (a cidade) às 22 horas exatamente.

O vôo não está lotado mas por alguma razão, Rimor está sentado ao lado de um homem. O homem é ligeiramente pardo, veste uma camiseta polo verde água e calças cáqui e um chapéu fedora. A figura desperta o interesse do desenhista e ele começa a desenhá-lo. Ao lado desta página, há um desenho de um Alcorão por causa de uma visita feita pelo desenhista a uma mesquita. Quando o figurão percebe estar sendo desenhado, de primeira vai reclamar, mas então vê o Alcorão e encontra uma chance de salvar uma alma.

– Senhor desenhista.

-Desculpe. – Ele se omite, como quem sabe que errou.

-Não se preocupe, não é sobre isso que quero falar – o figurão fala uma mentira – quero conversar sobre este livro que tu tens ai desenhado.

-Este alcorão? Eu não…

-Sim, este mesmo. Onde encontraste para desenhar?

-Fui na Mesquita de Faltário, mas para vis…

-Ah! Conheço lá! Muitos amigos meus vão lá, talvez conheças algum deles.

-Bem, fui lá ver um amigo que estudou comigo no Jonas D’arco, na zona…

-Que interessante, eu estava em Faltário para o casamento de um antigo colega de trabalho que estudou nesta escola… que coincidência, não?!

-Sim, claro. Mas eu…

-Pois é. Bem, puxei o assunto porque vi esse Alcorão e, bem, eu tenho ancestral islâmico, mas meu pai e mãe são ateus.  Tu és..?

-Rimor.

-Ah, prazer. Mas de ancestral?

-Nada muçulmano, acredito.

-Bem, eu fui criado nesse meio. Até certa idade até flertei com a idéia da divindade mas a larguei. Virei jovem e comecei a ir em festa, beber, fumar, falar palavrões, como você deve estar fazendo. Não procurava nenhuma paz, nenhuma verdade. Aí, em dezembro de 2015, eu estava numa dessas reuniões na casa de um amigo e fui fumar um cigarro na rua. Lá, uma mulher passou e me chamou. Eu respondi sem sair da frente da casa. Ela olhou para mim e falou: “Em exatamente seis semanas você vai receber um milagre econômico de Deus. E vai ser do Deus cristão e só deste.” Eu fiquei curioso, quis perguntar de várias coisas como óvnis, guerras, meu futuro e tudo mais. Ela só me falou que isso era o que deus havia a falado, me deu um cartão e foi embora, nenhuma das minhas respostas respondidas. Exatamente seis semanas depois meu superintendente da faculdade me ligou e me falou que eu tinha conseguido uma bolsa de estudos de 50 mil reais, a que eu já estava perdendo as esperanças de ter. Eu ia para a europa fazer alguns cursos maravilhosos. Após essa experiência, eu comecei a aceitar melhor a idéia de algo maior, mas não uma cristandade ou qualquer relig
ião.

-Nossa, parece uma situação inusi…

-Sim! Só que eu não podia acreditar que era coincidência, entende? Ninguém pode prever o futuro! Enfim, eu deixei isso de lado e fiz meus estudos, mas aceitando a idéia de uma entidade. Continuei bebendo, fumando, indo em festas e tudo de mais, só que aceitando isso melhor. Até que 8 meses depois, enquanto eu conversava com um amigo, eu ouvi uma voz. Eu sentia ela falando de dentro do meu coração, e ela dizia: “vá comprar uma bíblia e ler sobre Jesus Cristo e seus ensinamentos”. Eu achei que tava ficando louco! No meio do nada, só ouvi isso na minha cabeça; imediatamente eu fiz isso mesmo. Comecei a ler sobre ele e vi como ele é daora- poxa, ele curou todas as doenças possíveis- e o melhor é que ele está vivo! Ele ressuscitou e voltou ao reino dos céus e está lá olhando por nós! Depois disso, eu parei com tudo aquilo porque eu tinha uma paz interior, entendeste? Eu aceitei Deus e ele veio pro meu coração e logo depois eu aceitei Jesus e ele hoje mora ali! Por isso eu acredito do meu Senhor e meu Salvador, o Único; não Mohamed, Buda, Alá ou qualquer outro deus. E nenhuma religião vai te responder nada. O único que pode te responder suas perguntas é Ele, e tens de perguntar por ti.

-Nossa, deve ter sido transformador. Só que eu já estudei cristiansmo e eu…

-Olha, por isso que quando eu te vi com esse Alcorão desenhado eu tive que falar contigo; e que coincidência! Alguém que estudou com meu amigo! Olha, faça isso: vá numa livraria, compre a bíblia e leia sobre os ensinamentos de Jesus Cristo! Verás que Ele faz milagres, cura doenças, faz tudo! E além disso, pergunte tu tudo o que quiser a Ele. Não vá a uma igreja buscando cura, milagres, peça tu. Tu, Rimor né?, irás…

Nesse momento, o avião (que já estava com algumas turbulências que, para a infelicidade de Rimor, não interromperam o pregador disfarçado de modelo perfeito, com chapéu fedora e tudo mais excêntrico) dá um baque forte e começa a apontar o “nariz” para baixo. O piloto anuncia que o controle sobre a aeronave é mínimo e as máscaras de oxigênio são liberadas. Após ambos colocarem as máscaras, o figurão pega uma folha de papel e escreve em letras capitulares “DEUS VAI DAR-TE UM MILAGRE SE PEDIRES. PEÇA!”. Em resposta a essa mensagem, Rimor pega a câmera e tira uma foto do figurão- se sobrevivesse a esta queda, não perderia toda a encheção de saco por nada, teria uma foto boa (e ela realmente ficou). Poucos segundos após colocar todos seus pertences na mochilinha de mão e abraçá-la com força, Rimor desmaia.

•••

Acorda sentado em sua poltrona do avião. Quando abre os olhos, vê longe os destroços do avião afundando e envolta de si alguns outros. Não entende muito bem o motivo de estar tão ensolarado (meio-dia quase) se estavam voando a noite, ou como ele está ali, tão longe do avião. Ou como sua maleta e mochila estão a alguns metros, na areia, secos. Ele se solta do cinto e cai na areia da praia onde está. Onde está?

De primeira pega seu celular e ele está quente demais para ser ligado. Segundos depois, uma onda vem forte e o assusta, derrubando o celular na água- que ao pesar de resfriá-lo e resfriar o celular, o fez inútil.

Não há ninguém ali naquela praia além dele. Olhando envolta de si, não vê nada perto na verdade. Só água e algumas palmeiras. Anda até suas coisas, as leva para fora da areia e senta debaixo de uma das árvores e abre seus pertences. Tudo em perfeito estado, só bem quente. Tira a camisa e coloca uma branca para sentir menos calor.

Olha para as duas garrafas de whisky e pensa se vale a pena abrí-las agora. Decide que não, as deixaria para depois. Por hora, o importante seria descobrir onde está. Refazendo o caminho do avião de cabeça, ele devia estar em algum lugar entre Brasil e o continente africano, pra cima do cabo da boa esperança; mas onde? Quanto tempo ele ficara desmaiado até descer? Quem o levara para a ilha?

Lembrou-se da mensagem do figurão religioso. Ele nunca pedira um milagre de Deus e nem uma prova, não por teimosia, mas por não sentir necessidade nenhuma de divindade para lhe responder o sentido da vida. Será que após todos estes anos, ele estava errado?

Quando as dúvidas ficaram próximas de iniciar uma cadeia de loucura que seria muito mais difícil parar do que foi começar, ele percebeu algo: o mar. Pela primeira vez em anos, ele tinha todo tempo do mundo para desenhar o que via- o resgate havia de vir e desespero não resolveria muito. E foi o que fez. Pegou seu bloco e saiu desenhando. Quando sua mão cansou, ele descançou um pouco e decidiu ir tirar fotos floresta adentro. Guiaría-se pela bússola da câmera e buscaria algo para comer.

Andando devagar e registrando muito em fotos extremamente artísticas e naturais simultaneamente Rimor se distraiu da loucura que inevitavelmente, sem civilização, chegaria. Mas, durante cinco horas, ele se dedicou a desenhar e fotografar, sem mais e nem menos, achando comida, voltando pra praia, aproveitando mais do que deveria.

Deitado, olhando um pôr-do-sol em expectativa, percebe quão perdido está, e que nem toda a arte do mundo o tirará disso. E então olha para trás e vê as duas garrafas de whisky. Pega uma e enquanto abre, vê as fotos tiradas e vê figurão. Sem saber o que aconteceu com ele, pensa em sua última lembrança dele com a mensagem.Será Deus a força que o deixara vivo ali?Deveria ele zangar este deus?

É aí então que Rimor se depara com o dilema de todo artista em depressão, tendência suicída ou trauma: a religiosidade ou o vício.

O vício é a escolha do garoto, e é assim que ele mata somente em 4 horas ambas garrafas. Como ele não morreu? Não sei. Não se sabe. Mas o fato é esse. Assim como sobrevivera o avião, sobrevivera o álcool. Jogando a segunda garrafa  no mar e rindo desesperadamente de algum pensamento engraçado, Rimor desmaia caindo na água.

•••

A lua está no seu ponto mais alto no momento em que Rimor é acordado com um pé mexendo sua barriga. Ele não acorda, então é jogado no mar. Assustado, grita todos os palavrões lembrados na hora enquanto tira a camisa e a água dos olhos. Olha para frente e vê claramente a figura de um homem velho. Ele é moreno como quem toma sol diariamente, não tem barba alguma (estranho pra idade aparentada), usa uma boina creme, óculos redondos, calça social creme e camiseta amarela.

-Vejo que está assustado. Não se preocu
pe. Pegue suas coisas e vem, vamos dar uma caminhada! – o velho diz animado, com um sorriso enorme no rosto.

Antes de beber, Rimor havia colocado tudo na mochila e abandonado o uso da maleta, então, ele só coloca a mochila nas costas e anda com o desconhecido. Essa é a primeira vez na qual a situação o faz sentir arrependido por não ter comunicação melhor. Andando pelas areias, ambos ficam em silêncio.

Por algum motivo, a bebedeira havia passado e não havia dor de cabeça, só mal jeito na coluna pela posição e lugar no qual dormiu. Esta dor o faz andar desconfortavelmente

-O que você tem aí? – o velho pergunta

-Uma dor nas costas por não dormir direito.

-Não direito, de um jeito o qual você não está acostumado.

-Eu costumo a dormir de muitos jeitos.

-Sim, mas não sem apoio algum, aposto. Se você ir removendo pouco a pouco o apoio, você estaria acostumado. Primeiro, na sua cama. depois, numa outra cama mais dura. Depois em uma mais ainda até dormir no chão. Aí, dormir em um monte de travesseiros, ai dormir em pedras Então dormir em um chão de floresta. Por fim, dormir na areia.

-Até que faz sentido….

-Claro que faz – o velho solta novamente o mesmo sorriso.

Continuam andando um tempo na praia enorme. Rimor, mesmo confuso e com receio, continua a caminhada regularmente, pensando na metáfora nem-tão-boa do velho. Na caminhada, vê a lua em um estado muito perfeito e pega seu bloco para desenhar. Quando passa no Alcorão, nota que o velho viu o tal desenho.

-É um alcorão. Eu desenhei por achar interessante, não sou islâmico.

Eu sei  o que é o Alcorão e vejo que você não é.

-Você conhece o islã?

-Claro. Conheço a essência do islamismo, que é a família. Para eles é a instância mais importante da humanidade. Pro católico, é a compaixão. Pro protestante, o trabalho.

-Sim, com certeza. Qual a sua religião? – Rimor começa a quebrar o antissocial dele para depois conseguir entender o que acontece, mas também interessando-se na conversa.

-Todas elas, mas sigo o hinduísmo. Todas elas querem a mesma coisa, entende? Só muda a essência, que é a base de qualquer religião. É envolta dela que se molda ela inteira. O islã tem como essência a família. Cristãos tem a compaixão. Protestantes o trabalho. Budistas a paz. Todos buscam a mesma coisa; que é a Verdade. Todos querem a Verdade. Religiões são como escadas que levam para o mesmo Templo, mas caminhos diferentes. Todos passam a vida procurando o templo e argumentando sobre qual caminho seguir, quando qualquer um deles você chega no Templo. Mas no final, essa é a vida, procurar o seu caminho, sua Verdade.

-Nossa… isso fez todo o sentido…

-É porque é a sua Verdade. Não porque eu falei, mas porque você vê sentido nisso. Se você ir até uma criança e oferecer um brinquedo, um chocolate, ela faz de tudo por isso. Pra um adolescente, garotos(as), festas, diversão em geral. Para um jovem adulto como você, dinheiro, casa, um(a) parceiro(a), tempo pra passar. Para um adulto, a família. Para um velho como eu a Verdade é só a família e a religião.

-Que louco… quem é você?

-Um senhor. Somente um senhor. Bem, suponho que devo ir agora. Adeus.

-Mas…

O velho entra por entre as árvores e, por algum motivo, Rimor sabe que seguí-lo não adianta. Após um diálogo tão  impressionante, ele segue andando sozinho fazendo a reflexão sobre tudo o ouvido, desde o milagre prometido pelo figurão até o velho hindu a te falar que todas as religiões são as suas.

 

 

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No final da praia, Rimor vê de longe um farol enorme. Suspira aliviado de ver que, havendo ou não gente por ali, um farol é o jeito perfeito de pedir ajuda para qualquer navio que passe. Adentrando a floresta procurando um caminho, vê vários de madeira mas tem um pressentimento estranho. Uma delas é bem aberta. Ali, Rimor vê a possibilidade de simbolizar seu dia com uma última foto do caminho escolhido por ele- não pro céu ou coisa do tipo, mas para o farol e para a vida. Mesmo mantendo-se ateu ou agnóstico, a espiritualidade agora segue ele.

 

 

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