Água para Camélias- o porquê de Espelho ser um dos trabalhos mais importantes de 2018

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Eles dormem, eu faço planos

Drik Barbosa

É assim que se inicia o trabalho que eu considero o musicalmente mais relevante do ano de 2018. O EP ‘Espelho’ tem 16 minutos e um documentário de 9min, uma obra total de 25min. Drik Barbosa pôs seu melhor em 5 faixas, passando desde temáticas pessoais até estruturais, começando em um som orgânico e chegando no trap, sem deixar em momento algum de ser o melhor do RAP e R&B.

Promocional do EP

Como sempre, acho melhor dar uns passos pra trás antes, para que faça mais sentido o porquê desse trampo tão pequeno ser relevante e extremamente importante.

Aos 25 anos, ela coleciona versos destaque e refrões ultra melódicos, uma das melhores vozes da música brasileira atual. Com pouco mais de 32 colaborações (cyphers, feats e etc), ela já está na caminhada há tempos. Desde 2007 ela já é chamada para cantar em discos[1] de músicos como Flow MC, Marcelo Gugu, Dj Caique, Emicida e etc. Conheci-a em Mandume, que integra o 2º disco do Emicida. Ela abre esse som com maestria, recheia o verso com referências sensacionais, punchlines agressivas e postura condizente. Conforme ela participou de projetos como o Poetas no Topo 3.1 e o Poetisas no Topo, conheci um lado mais melódico e mais rimas espetaculares. Em 2017 ela também integrou o projeto Rimas & Melodias, que lançou um álbum sólido. Ela está, já a um tempo, nos holofotes do rap nacional, sendo requisitada pra projetos e projetos, representando as minas bem demais.

Tendo em vista essa recapitulação da caminhada da Drik até agora, fica muito claro que quando o G1 a coloca no título da matéria como revelação, a falta de consideração por toda a caminhada anterior é evidente. E também por isso, ela lançar um EP depois de 11 anos de carreira é chamativo.

As músicas que compõe esse trabalho são, na ordem na qual aparecem:

  1. Espelho – part. Stefanie (prod. GROU)
  2. Banho de Chuva (prod. GROU)
  3. Inconsequente (prod. GROU)
  4. Camélia (prod. GROU)
  5. Melanina – part. Rincon Sapiência (prod. Deryck Cabrera)

Vamos por partes.

Stefanie e Drik Barbosa depois de uma gravação no Manos e Minas

A primeira faixa já diz muito sobre o todo. A participação da Mulher MC, Stefanie (um dos ícones da própria Drik no rap) é forte, agrega muito. Mas, fora esse simbolismo, o destaque vai totalmente para o primeiro verso e refrão. Recheado de técnicas (multissilábicas, rimas internas e externas, metáforas…), já inicia-se vendo todo o poder das suas linhas; o refrão traz uma sensação impressionante- é extremamente pessoal, mas a voz em “caminhos tenebrosos, eu sei / sim, eu sei/ o antídoto pra me curar” toca meu emocional profundamente.

Sendo um pouco mais objetivo, o alcance vocal dela é realmente fora do comum. No documentário produzido pela LAB, o DCAZZ (diretor vocal) fala que ela tem ‘uma das melhores vozes da música nacional’. E sendo sincero, eu concordo plenamente, e ela mostra isso em todas as faixas.

Na Banho de Chuva, novamente ela explora timbres diferentes, junto de elementos orgânicos bem colocados na composição da faixa. Além disso, a letra é introspectiva, quando comparada a outras do conjunto. Vale aqui trazer à tona o uso constante da figura da água, como metáfora em todas as faixas- as vezes, a sós, outras misturadas a outras.

A água simboliza a própria MC, com suas mudanças, reações, adaptações e etc. E faz todo sentido, visto que o ‘espírito’ da água está presente em todas as letras, de alguma maneira. No antídoto, no banho de chuva, na flor Camélia (que é metáfora também), no olhar da pessoa amada, nos brindes… enfim, é uma figura constante.

A próxima é Inconsequente. De longe, a que menos toca em relações sociais e trata, em 90% da música, de romance. Até ali, Drik não deixa de tocar em temas relevantes, como responsabilidade emocional, autoestima e etc.

Foto de Duane Carvalho

A penúltima música é Camélia. Camélia, que foi símbolo abolicionista usado amplamente na luta contra a escravidão no Brasil, assume uma personalidade e um peso atual, como se, além de libertar no passado, fosse empoderar no presente. Sem dúvida, um soco de críticas sociais- tanto pra sociedade como um todo quanto para o segmento ouvinte de hip-hop (falando sobre a tal onda dos reacts)- e aula de levada.

A última é Melanina, com participação de Rincon Sapiência. O único single lançado antes do disco, vem em clima de festa, exaltação da cultura preta e beleza afro, tema recorrente de outras músicas. A presença de Rincon faz quase tanto sentido quanto a presença da Stefanie, já que ambos são musicalmente relacionados e tem bandeiras próximas.


Rincon Sapiência já foi tópico de outra matéria aqui no Literatura de Metrô, sobre alguns clipes no RAP nacional, já conferiu ‘Uma história com 4 inícios e finais’? Clique para ler!


Dá pra dizer tranquilamente que esse EP tem alto nivelamento de qualidade. Pessoalmente gosto mais de Espelho, mas sem dúvida considero esse trabalho impressionante no geral, e por ter o contexto anterior da Drik, pelo timing de lançamento (cada linha faz total sentido dentro de si, além de encaixar no contexto do lançamento) e por muito mais, é, se não o mais relevante, um dos mais importantes trabalhos lançados esse ano, musicalmente falando.

Fica aqui meu elogio à artista, mas com uma ressalva:

Depois de 11 anos de carreira, um EP não é suficiente para expor tudo o que esperamos (e precisamos, pelo momento pelo qual o Rap se encontra) de Drik Barbosa. Espero em 2019 ver mais trabalhos (outro EP, mixtape, álbum…). Mas ainda teremos muito dessa artista sensacional, até porque…

Camélias dão voltas no mundo

Drik Barbosa

E ela é, sem dúvida, uma camélia.


[1] Fica aqui uma pequena lista das minhas favoritas (sem ordem nem nada): Valsalva-Nego E, Avuá (Cypher), Correria remix (BK)

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